Category: Textos

  • O que o iTunes não pode oferecer

    O dia 12 de outubro está quase aí e as lojas começam a ficar quase tão bonitas quanto Natal e Páscoa. Os objetos de sempre saem da vitrine e dão lugar a bonecas, laptop, CDs infantis e cores, muitas cores. 
    Só que outro dia, enquanto conversava com a minha mãe, percebi como são as crianças de hoje em dia. Atualmente, as garotinhas não ficam o mês todo esperando a mãe receber para comprar aquela Barbie legal. Ou, no caso dos meninos, aqueles postos cheio de bugigangas que eu nunca consegui entender. Ganhar a casa da Barbie não significa mais nada. E olha que, entre tantos outros sonhos, esse foi um dos que ficaram para trás. E só na vontade.
    Lembro que ganhei meu primeiro celular aos 10 anos e que, se eu não fosse estudar em uma escola longe de casa, teria sido bem depois. Ainda consigo ver minha avó indo na Pernambucanas e comprando um modelo bem antigo da Kyocera. Só fui saber que era meu depois que saímos da loja.
    Hoje, garotas mal entram na terceira série e já tem os “ai” da vida. É iPhone, iPad, iPod… E aí me pergunto: onde fica aquela magia que é a infância? Onde fica aquela ansiedade pela chegada do dia das crianças só pra ir na Ri Happy escolher quem vai ser sua nova “filha”? E aquela pseudo-liberdade de encontrar os amigos na rua – com as mães na porta de casa – e brincar de pega-pega, esconde-esconde ou qualquer outra brincadeira enquanto as mães conversam sobre os vizinhos e a novela das 9?
    Então descubro como eu era realmente feliz e não sabia. Enquanto na minha infância eu fiz amigos, as crianças de hoje só sabem criar – e destruir – amizades no Facebook. Enquanto eu ia para a escola só pra brincar na Educação Física, as crianças de hoje só se preocupam em chegar na sala e mostrar o novo aplicativo do iPhone.
    Sinto falta dos parquinhos lotados na praça do meu bairro. Sinto falta de ver crianças se sujando de lama no meio da rua. Sinto falta de ver a banca cheia de revistas de uma novela mexicana infantil. Sinto falta de ver o corredor de brinquedos das Casas Bahia cheio de crianças, e não o balcão de celulares e câmeras legais. Sinto falta de ver a nova geração puxando a saia da mãe porque quer colo, e não porque quer entrar na internet pelo celular.
    Acho que a verdade é que, quanto mais cresço, mais dou importância a momentos que, hoje em dia, não voltam mais. A infância que tive não vai voltar. As garotinhas de 10 anos não vão saber como é legal espalhar os brinquedos e as Pollys pelo quarto e depois ver seus pais arrumarem enquanto você foge pra casa da amiguinha. Os garotinhos não vão se sentir mais mecânicos que sabem tudo sobre carros. Os “pirralhos” não vão sentir mais aquela sensação de inocência, de fazer algo porque sente que é a hora e não porque a coleguinha já fez… A menos que, para tudo isso, exista um novo app super cool no iTunes. Porque, cá entre nós, até os adultos estão mais preocupados com a web do que com o sentido real da palavra “vida”.

    Esse texto faz parte da blogagem coletiva promovida no Depois dos Quinze.

  • Entrelinhas: Felicidade sem ilha deserta

    Eu estava num bar, sozinho. Uma garota se aproximou, cheia de patrocínios na camiseta, e me deu o convite para uma festa, dizendo: “Cara, essa balada vai mudar a sua vida.” Pensei um pouco com meus botões e respondi: “Então eu não vou. Não quero que a minha vida mude.” Ela não entendeu, achou que eu estava tirando sarro da cara dela e saiu distribuindo seus convites festivo-revolucionários entre as outras mesas.
    Se ela quisesse ouvir, eu diria que estou feliz com a minha vida: namoro a garota que eu amo, trabalho com o que mais gosto, moro numa casa com churrasqueira e não tenho nenhuma doença. Claro, nem tudo é maravilhoso, mas somando as minhas angústias com as minhas conquistas, minhas topadas de dedinho do pé no batente da porta com meus primeiros goles de chope gelado, minhas horas no trânsito com minhas horas na praia, e tirando a média, acho que sou feliz. Não sou bobo de achar que é mérito só meu a minha felicidade. Tive tudo  a meu favor: pais maravilhosos, comida boa, escola liberal, livrinhos, filminhos e disquinhos coloridos, a bola oficial de cada copa e, quando mesmo com tudo isso percebi que não estava contente, meus pais me levaram a uma psicóloga para me ajudar com as minhas angústias. 
    A felicidade é uma conquista difícil. Difícil, mas não impossível, nem tão distante da nossa realidade. O pensamento que deu origem à frase da garota me parece ser o seguinte: a felicidade é o oposto do que vivemos. Isso se expressa bem naquela ideia que temos do cara que ganha na loteria, larga TUDO e vai para uma ilha deserta ser feliz. Que horror! Se para ser feliz é preciso largar TUDO, então NADA do que fazemos é legal?! Será que nossas vidas são mesmo esse desastre? Acho que não. Claro, acho que nem todo mundo é feliz. Mas não acho que para eles serem teriam que largar TUDO e mudar completamente.
    Acho que a felicidade está muito mais em conseguirmos ser felizes do jeito que somos do que em mudar o nosso jeito. Não estou dizendo: contente-se com um prato de feijão com farinha por dia, pobre criatura, não reclame e tente ser feliz. Acho que a gente tem que ter uma busca de mão dupla: ao mesmo tempo em que tentamos mudar o que achamos estar errado (em nós e no mundo), temos que tentar nos adequar a quem somos e ao que temos.
    Só seremos felizes se estivermos contentes. Parece uma frase idiota, mas não é. Você já parou para pensar na palavra contente? Vem do verbo conter. Seremos felizes se nossa realidade for capaz de conter os nossos desejos. Se nossos anseios forem muito maiores que nossas possibilidades, estamos fritos. Não podemos entrar nessa de filminho bobo de Hollywood, em que basta querer muito que nossos sonhos se realizam. Mentira! Sermos milionários, dez centímetros mais altos ou viver sem termos que trabalhar não está ao nosso alcance. Ser feliz, sim, está.
    Quem escreveu esse texto?
    Antonio Prata é escritor. Nasceu em São Paulo em 1977. Publicou alguns livros de contos e crônicas, entre eles “Meio Intelectual, Meio de Esquerda” e “Estive pensando” (livro que se encontra a crônica “Felicidade sem ilha deserta), e escreve no caderno “Cotidiano” da Folha às quartas-feiras. Para conhecer mais sobre o autor, visite seu blog.
  • O bilhete na poltrona

    Era só mais um dia comum, cheio de tarefas a fazer e papéis a preencher. Cheguei às 6h40min, como sempre, e coloquei minhas coisas em meu armário. Procurei meu avental em minha bolsa e, enquanto o vestia, andei até o balcão.
    Após alguns minutos, ele chegou. Rafael sentou-se em sua poltrona favorita, onde sempre folheava algumas revistas enquanto esperava o tempo passar. Em alguns dias, me dava bom dia ou falava sobre o tempo. Incrível como isso me fazia sorrir, por mais bobo que fosse.
    Peguei alguns papéis e comecei a organizar os nomes dos professores em ordem alfabética. Felizmente, hoje faltariam alguns. Ou seja: trabalho a menos. Separei aqueles que tinham horários no dia e deixei-os em cima do balção. A folha de presença de Rafael era a terceira.
    O relógio marcou 7 horas da manhã e Rafael se levantou de sua poltrona e veio ao meu encontro. No mesmo momento, minhas pernas começaram a tremer e meu coração, a acelerar. 
    Ao invés pegar sua folha, Rafael apenas se apoiou no balcão. Tentei desviar o olhar e comecei a mexer no computador. Ele sorriu e perguntou:
    – Você sabe que não tenho aula agora, não sabe, Anna? 
    Suspirei ao ouvir sua voz dizer meu nome. Respirando fundo, levantei-me e fui até ele. Tentei manter uma conversa casual, o que foi quase impossível. O tom da minha voz não me deixava mentir.
    – Claro que não sei. – respondi, desviando meus olhos dos seus. – Não fico espiando seus horários.
    Sorri em sua direção e fui até o computador novamente. Rafael ainda continuou ali, parado.
    – Então acho que o jeito é esperar… – comentou.
    Prossegui com minhas tarefas, tentando deixar aquilo de lado. Ele estava estranho… Parecia que queria falar algo importante. Claro que era besteira minha. 
    Os minutos se passaram e segui trabalhando. Depois de terminar com os papéis, levantei-me para beber água. Estava tão perdida em pensamentos que não percebi quando Rafael me puxou, fazendo-me cair em seu colo.
    – Anna… – suspirou. – Eu preciso te falar uma coisa.
    – Diga. – respondi, sem ar. Nunca havíamos ficado tão perto. Não daquele jeito.
    – Eu… – hesitou. – Eu… Eu estou apaixonado por você.
    Demorei a digerir suas palavras. Lembrei de tudo o que havia escutado no dia anterior. Minha amiga deixara muito claro, não deixara? “O Rafael é um canalha, Anna. Ele é um galinha, dá em cima de todas”. Sua voz ainda ecoava em minha cabeça.
    – E você diz isso para quantas, Rafael? – bufei. – Está apaixonado por mim e quantas outras mais?
    – Só por você… 
    Levantei-me sem olhar para seu rosto. Não queria saber sua expressão e, além de tudo, não queria me iludir. Peguei meu copo de água e segui para a sala dos funcionários. Graças aos céus, Fernanda estava lá.
    – Anna… – abraçou-me. – O que houve? Você está pálida!
    – O Rafael, Fê! – respondi, contendo minhas lágrimas. – Ele disse que está apaixonado por mim.
    Fernanda ficou em silêncio por alguns segundos, pensando no que havia me dito no dia anterior, suponho. Estava claro que ele não queria nada sério. Não estava?
    – Anna, eu sei que eu te contei tudo aquilo e vi como você ficou mal. – e segurou minha mão enquanto completava. – Mas também sei que o Rafael está muito diferente. Eu vejo o jeito que ele olha para você todos os dias.
    – Mas…
    – Mas nada. – interrompeu-me. – Você mesma me disse que o amor pode mudar as pessoas. E o Rafael gosta de você. Deixe esse sentimento mudá-lo, Anna.
    Respirei fundo enquanto pensava no que acabara de ouvir. Eu queria tentar. Eu queria ir atrás dele e dizer o quanto o queria. Porém, tinha medo de sofrer. E Fernanda sabia disso tudo.
    – Anna… – disse, ainda acariciando minha mão. – Eu sei que você está amedrontada com tudo o que te contei. Só que se ele disse aquilo, é porque é verdade. Vá atrás dele, amiga. Sei que é o que você quer. – sorriu.
    Segui seu conselho e fui até a poltrona onde havia deixado Rafael sentado. Não o encontrei no lugar de sempre. Em cima do assento, apenas tinha um bilhete com meu nome na frente. Reconhecendo a letra, abri-o.
    Precisei ir embora, mas voltarei no fim do expediente para conversarmos. Com amor, Rafael.
    Ainda com a última frase em minha cabeça, tive a certeza que tomara a decisão certa. E se, por acaso, ela fosse me magoar no futuro, pelo menos teria tentado.
    Eu deixaria o amor me levar. Seja lá onde ele fosse me deixar.
  • Cortinas – e máscaras – ao chão

    Incrível como pude ser tão trouxa a ponto de acreditar em tudo o que vi. Esqueci que, na verdade, nem sempre o externo é a versão oficial. Todos nós somos enganados, diariamente, por gestos, palavras e sinais, que conseguem ser tão falsos quanto quem se utiliza deles.
    Dizem que só o tempo e a convivência são capazes de definir alguém. Engano. Tempo não significa nada. Convivência não significa nada. Você é cheio de máscaras, cheio de caras diferentes e se abusou delas para me enganar. É como se você possuísse uma centena delas… Cada uma feita, especialmente, para envolver cada um que te cerca. E essa máscara criada sob medida, com meus gostos, com minha cor favorita e meus enfeites preferidos, me envolveu a ponto de nem me conhecer mais… Tudo feito para me prender e me enganar, me fazendo até duvidar daqueles que conheciam sua verdadeira face. Seu verdadeiro eu.
    É… achei que aquela era a sua única – e a verdadeira – versão. Quando, na verdade, você é apenas um personagem (com muitas máscaras) desse grande teatro que é a vida.
    Sua peça já está me deixando farta. Ela me enoja, não consigo mais assisti-la. Resolvi me levantar e ir embora… Não faço mais parte do seu público e me excluo do seu elenco. Quero o papel principal em uma história só minha. 
    Sua atuação foi ótima, mas o espetáculo em si é uma merda. Fique aí com seu roteiro, com suas falas e com suas farsas. Afinal, tudo já chegou ao fim: suas luzes se apagaram, sua cortina está no chão. E você, querido, foi pego. Trate de ensaiar melhor na próxima vez… Ou abandone seus personagens. Chega uma hora que a vida fica chata com tanta atuação, com tanta mentira. 
    Para todo caso… Aqui estão seus aplausos. Não por ter sido bom, mas por ter, finalmente, terminado essa porcaria. Espero que se sinta satisfeito e encontre outros tolos para apagar o brilho que você não tem. E lembre-se: na próxima vez que for mentir, assegure-se que não há espiões em seu público. Forme-o somente com pessoas burras e influenciáveis. Você me enganou, mas foi por pouco tempo. Agora, fique com o final dessa história mal escrita. Minha crítica foi feita, meu adeus foi dito. Mas o gran finale fica por minha conta: interferi em sua peça, modifiquei o enredo e descobri suas mentiras antes de me deixar levar. Então, chega… Essa merda acabou para você. E, principalmente, para mim.
  • Viva seus sonhos

    Eu sempre fui muito sonhadora e, acredite, essa é uma das minhas características mais fortes. Desde pequena, quando nem conhecia todos os significados da palavra “sonhar”, eu já tinha vários desejos diferentes. Queria ser cantora, queria ser dançarina. Queria estar em um palco, cantando para uma multidão que cantava junto comigo. Queria estar passeando pelo Canadá ou por Londres… Queria muito, e queria com uma intensidade incrível.
    Óbvio que, com o tempo, os sonhos mudaram. Alguns se perderam no caminho – como cantar, que é algo que amo mas sei que não faço bem. Outros ainda estão na minha wishlist da vida. É aquela vontade louca de querer tudo, não poder ter mas, lá no fundo, saber que pode acontecer. Sonhar nos dá a oportunidade de querer sempre mais. De correr atrás do que desejamos. Sonhar abre portas. Dá oportunidades… E, acima de tudo, alimenta a mente, a alma e o coração.
    Porém, sei que muitos sonhos parecem impossíveis. Mas é isso que nos torna diferentes: acreditar. Quando temos fé e confiamos em nós mesmos, conseguimos chegar onde queremos. Basta ter fé, ter persistência e querer.
    E não tenha medo de correr atrás. Queira mais e queira sempre. Não se sinta ambicioso por ter tantos sonhos. Por querer tanto. Como dizem por aí: nada é errado se te faz feliz. Se ter um sapato caro, se viajar para o Japão ou se ganhar um novo computador vai te trazer essa felicidade, não se sinta mal por desejá-los. Cada um tem seus próprios sonhos, sua própria maneira de ser feliz.
    Apenas lembre-se de viver com os pés no chão. Sonhar é tudo de bom… Mas viver somente em suas ilusões não vai trazer seus desejos até você. Sonhe. Imagine. Deseje.  Só não viva em seus sonhos. Viva seus sonhos. E continue sempre sonhando… Não deixe nada tirar isso de você. Sonhar nos faz lembrar que o mundo ainda pode ser um lugar melhor. Que a vida é linda e que há outros caminhos para percorrer. Sonhar é ter, nem que seja lá no fundo, aquele lado criança. Não permita que ele morra. Tenha-o sempre consigo… Ele, a magia e os sonhos. Sempre!
  • O primeiro, o único e o último

    Na saída, me espere no corredor da A-410. Josh.
    Li a mensagem sem entendê-la. Se Josh precisava me encontrar, significava que queria dizer algo. E se era assim, por que não havia me falado antes?
    Afastando esse pensamento, tentei manter o foco na aula. Ao meu lado, Josh estava inquieto, olhando algumas cartas que, sinceramente, não fazia ideia sobre o que significavam. Apenas conseguia reconhecer uma especial. Aquela única que, há algumas semanas, havia esclarecido tudo entre nós. Pelo menos sobre mim e meus sentimentos.
    Dois de seus amigos vasculhavam a caixinha cheia de cartas. Tentei me desligar da aula e espiar, apenas para saber o que elas queriam dizer. Em uma delas, encontrava-se o nome de sua mãe. Outra, de sua irmã. Não consegui ler o conteúdo, mas o olhar triste de Josh ao relê-las era visível. Não sei se tanto para mim quanto para os dois ao seu lado.
    Percebi que enquanto Marcos e Alex – seus colegas – remexiam nas cartas, Josh guardou uma em especial – a minha. Mentalmente, agradeci-o por isso. Não queria ter que escutar piadas dos dois. E, pelo visto, Josh entendia essa vontade.
    Comecei a entrar em meus devaneios, fugindo daquela aula que, sinceramente, já não sabia sobre o que se tratava. Lembrei do dia em que escrevi aquelas palavras que agora estavam em seu bolso. Coloquei meu coração nelas. Minha alma. E elas só me serviram para uma conversa constrangedora com ele. Josh havia deixado muito claro que, entre nós, existia apenas uma amizade. Só isso e nada mais.
    A professora liberou a sala e percebi que Josh se demorou um pouco. Lembrando do SMS – ainda aberto em meu celular – fui na frente e cheguei até o corredor indicado. Sentei-me em um dos degraus da escada e, após dois ou três minutos, vi alguém se aproximando. Era ele.
    – Sempre passei por aqui e nunca percebi como esse corredor era mais largo que os outros. – comentou.
    Josh estendeu sua mão e eu a segurei. Levantei-me e fiquei diante dele, esperando o que tinha de tão importante para dizer. Seja lá o que fosse, não poderia ser tão sério. Ou poderia?
    – Sue, a gente precisa conversar. 
    – Eu sei que precisamos. Seu SMS foi bem objetivo… Aconteceu alguma coisa?
    Josh ficou em silêncio. Enquanto ele lutava com seus sentimentos, eu tentava entender os meus. Ele sabia sobre eles. Pelo menos, eu havia deixado todos claros em minha carta. Tentei lutar contra os pensamentos que apareciam – principalmente aquela voz no fundo que gritava loucamente que, afinal, ele havia mudado de ideia. Ou entendido seu coração.
    – Eu estou indo embora, Sue.
    – Então, vamos. Você quer me falar no caminho? Posso ir com você até a avenida!
    Tentei seguir o caminho e, antes mesmo de completar meu segundo passo, ele me impediu de continuar. Josh olhava fixamente em meus olhos enquanto falava. Essa era uma de suas características mais marcantes: ser forte em qualquer momento.
    – Não é ir embora hoje. Pra sempre…
    – Como assim?
    Demorei para entender. Minhas lágrimas queriam sair e foi com dificuldade que consegui contê-las. Meu coração não era tão fácil de ser controlado: ele já estava a mil por hora. Se não fosse o ruído do corredor – vindo de salas mais adiante – seria fácil escutá-lo.
    – Meus pais decidiram ir embora. Não está dando mais para viver por aqui, entende? A família está toda desestruturada, com seus pedaços soltos por aí. Minha mãe tem pesadelos com minha irmã todos os dias. Já a peguei chorando e se lamentando na cozinha com Nancy, uma de suas ajudantes. Meu pai percebeu isso e resolveu que era hora de reunir todo mundo e começar a vida em um lugar só. E resolveram recomeçar na cidade onde minha irmã faz faculdade… Ela está no terceiro ano, já. É mais fácil pra todos.
    Josh terminou suas explicações mas, mesmo assim, ainda esperei por mais. Ansiava pela parte em que ele diria que era brincadeira. Ela não chegou. Com todas as forças que consegui reunir, minha voz saiu como um sussurro. Precisei tossir algumas vezes para conseguir pronunciar as palavras corretamente.
    – Você não vai voltar? Quer dizer… Nunca mais?
    – Provavelmente, não. 
    O choque de realidade me pegou desprevenida. Senti como se estivesse em um lugar quente e, de repente, numa sala fria. A mudança de temperatura – de sentimentos – foi o bastante para mim.
    Isso não poderia estar acontecendo. Era um pesadelo e eu devia acordar logo. Mãe, me chama. Diga que estou atrasada. Qualquer coisa… Apenas me acorde.
    Fiquei alguns minutos pensando no que acabara de escutar. Josh esperou, pacientemente, por alguma reação. Ela tardou e ele resolveu quebrar o silêncio, tentar suavizá-lo.
    – Ninguém sabe sobre isso, Sue. Mas achei que deveria te contar… A primeira e única a conhecer isso. Você é a única pessoa que realmente me importo aqui. Já te falei sobre tudo isso e volto a repetir: você é a amiga que nunca tive e, provavelmente, nunca terei. 
    – E você vai assim? – disse, ignorando tudo o que sua voz jogava para mim. Ele iria embora… E era minha última chance de fazer esses oito meses valerem algo. Eu tinha que arriscar. Aliás, deveria arriscar. Deveria ter feito isso antes, mesmo após a carta. Era o certo… Agir. Tomar a iniciativa. Não somente com as palavras que sofri para escrever, mas com atitudes.
    – Assim? – seu rosto era um mix de confusão e tentativa de permanecer no foco da conversa. – Assim como, Sue?
    – Sem dar uma chance para nós.
    O silêncio foi confortante. Enquanto pensava no que acabara de dizer, Josh se aproximou de mim. O que era para ser um abraço, acabou se tornando outra coisa. Seus braços envolveram minha cintura e deixei que ele aproximasse meu corpo do seu. 
    – Pensei que não tivesse restado nada de mim em você. – desabafou. – Pensei que teria que ir embora sem sentir algumas sensações que iriam tomar meus pensamentos por algum tempo.
    – Que sensações?
    E, apertando-me mais contra seu corpo, Josh me beijou. Aquele foi o nosso primeiro beijo. O mais doce e o mais amargo. O primeiro, o único e o último.
    Conto inspirado em um sonho.
  • Desabafo: eu, eu mesma… E eu de novo

    Antes de tudo, quero me desculpar pelo conteúdo do texto. Vocês não são culpados da minha mudança de humor… E confesso que ando abusando-os demais com meus problemas. Mas é como eu sempre digo: considero-os meus amigos. Meus confidentes. E é no blog que eu falo sobre tudo… Principalmente sobre mim.
    Ultimamente ando me sentindo estranha. Pensativa demais. Minhas mudanças de humor estão me sufocando e quase não consigo respirar com elas. Um dia, estou forte. Outro pareço um bebê chorão. Às vezes mal posso me olhar no espelho. Minha auto estima não anda tão alta assim. E quer saber? Essa variação me sufoca, também.
    Nunca fui a pessoa mais confiante do mundo. Em nada. Às vezes aparento ser forte só para não magoar quem amo. E acabo magoando a mim mesma. Preciso apenas de um colo, de um ombro, para encostar a cabeça e chorar, desabafar e receber palavras de conforto, de carinho. Preciso sentir que não estou sozinha. Que não dou mais do que recebo… É tanta coisa em minha cabeça no momento que mal consigo diferenciar o bom do ruim. Ou do indiferente. É como se cada dia fosse apenas mais um dia, sem nada novo. Só a rotina e suas consequências.
    E ainda tem aquela parte da crítica. Quando ela vem de fora, posso me segurar que não me importo. Aprendi a lidar com elas desde que percebi que, mais que ninguém, eu sou a única que me conheço perfeitamente. Mas há momentos em que não preciso de ninguém para fazer um comentário maldoso. Basta me olhar no espelho, ou olhar qualquer coisa que eu faça. Odeio isso… E quer saber? Não faz bem nenhum. Principalmente porque sei que é coisa minha. É a droga da autocrítica, que fere mais que qualquer coisa.
    Tem ainda aquele lance de querer ser algo na vida. De não passar por aqui só para ocupar espaço… E aí penso: o que eu estou fazendo com meus dias? Só saio de casa para ir à faculdade. Fim de semana se resume em internet, dormir, comer e esperar a segunda-feira. Ando exausta… E não é uma exaustão física. É íntima. 
    “Ah… Droga, olha o que eu estou falando!” Eu não tenho o que reclamar da minha vida. Umas espinhas no rosto, uma barriguinha a mais e óculos não deveriam ser motivo para se colocar pra baixo. Engraçado que eu sei disso… Mas é incrível como, a cada vez que me olho no espelho, não me sinto feliz. Miro em meus próprios olhos e não enxergo mais o brilho daquela garota de 15 anos cheia de sonhos para se cumprir que fui. No passado, eu sonhei tanto. Na idade em que me encontro (18), eu já deveria ter arriscado mais. Vivido mais. Realizado meus sonhos.
    E talvez seja isso: sonho muito. Vivo pouco. Tá na hora de inverter isso aí…
  • Os passos que dei até aqui

    Já faz algum tempo que minha vida mudou de um jeito que nunca imaginei. Num piscar de olhos – quase que literalmente – saí da escola, terminei um curso de Espanhol após 3 anos, comecei o de Inglês, entrei no técnico de Informática para Internet, tive que sair, comecei a faculdade dos meus sonhos… Confesso que, se há alguns anos, alguém do futuro me contasse que estaria vivendo algo assim, eu desligaria o telefone na hora pensando ser um trote.
    Nunca tinha parado para pensar como os últimos anos passaram tão rápido. Incrível como meu pai tinha razão – e eu pensei que nunca diria isso. Depois dos 15, tudo voa. Este é o melhor momento pra fazer tudo o que sonhamos. E, principalmente, fazer as escolhas que vão nos acompanhar para sempre.
    Agora que estou aqui, após 18 anos, 2 meses e 1 dia, percebo como eu deveria ter escutado meu pai. Ele sempre teve razão: as semanas voam, o tempo passa e a gente nem percebe. E é curioso como isso se aplica a este momento. É como se os anos avançassem e eu permanecesse a mesma garotinha de 14 anos. Tímida, curiosa, em um lugar novo, em busca de amigos novos, tentando não se distanciar dos antigos e fazendo de tudo para manter o coração em paz.
    É neste clima que me encontro agora: tentando buscar, lá no fundo, em algum lugar desses anos, tudo o que perdi para me isolar. Tentando rever os amigos que deixei de ganhar para me aventurar em minhas ilusões. Tentando perceber o mundo que me encontro agora. E olha… Ele é bem diferente daquele que imaginei – e vivi – até pouco tempo.
    Fazendo uma pequena respectiva da minha vida, vejo como deixei de dar valor ao que, hoje, sinto falta. Os passos que dei até aqui me fizeram perceber como nunca é tarde para (re)começar… A vida é rápida? Eu sei. Mas é como dizem por aí: antes tarde do que nunca. E essa é uma regra que se aplica a tudo. A amizade. A vida. Ao amor…
  • O vazio que permaneceu

    Mais uma folha em branco, milhões de pensamentos em minha mente e um coração confuso. São tantas coisas no momento que mal posso decidir por qual começar… Quero preencher o vazio – da folha, de mim – de alguma maneira. Mas está quase impossível. As palavras estão presas e eu mal posso encontrar algo que me complete.
    O silêncio é quebrado pela TV. No momento, histórias inventadas, personagens irreais e cenas que só acontecem em novelas preenchem o vazio que se instala aqui dentro. Lá fora, apenas o nada. A escuridão e a sensação do vazio. Do isolamento.
    É um vazio bom. Um vazio inesperado. Um vazio que pensei que não fosse existir. Na verdade… É um vazio bem vindo. Ele se instalou aqui para não deixar que as mágoas tomassem seu lugar. Antes o vazio. Aprendi a conviver com ele.
    Mas é incrível a ironia que se formou. Há pouco, o vazio era uma dúvida. Ele ansiava por respostas. Por preenchimento. Ele queria acabar com suas perguntas… E após todas serem esclarecidas, permaneceu lá. O mesmo vazio. O vazio das certezas.
    E ainda existe um pedaço desse vazio que anseia por continuação. Um vazio que nunca se sente satisfeito. Que precisa de mais… Um vazio que vai continuar cheio de dúvidas. Querendo respostas. Querendo conhecer o futuro. O que virá.
    Um vazio que, querido… Ainda vai me dar muita dor no coração. Na alma.
  • Escrever é – literalmente – libertar-se

    Nossos lábios nem sempre dizem o que nossa alma quer gritar. Eles travam. Perdem palavras. Deixam algumas no ar e outras subentendidas. Eles sobrecarregam nossas falas de sentimentos invisíveis, existente apenas entre as linhas. Não são explícitos. E por isso mesmo causam mais confusão.
    E é no meio dessa confusão que encontro minha fuga. Escrevo. Escrevo de tudo. Encontro minha liberdade quando deixo meu coração transparecer em minhas palavras. Encontro meu refúgio. Deixo o medo de lado. Deixo meus sentimentos gritarem. Aqui eles têm essa permissão. E aqui eles não têm consequências.
    É através dessas frases soltas que formo meu mundo. O real. O fictício. A mistura dos dois. O que meu coração quer viver e o que minha mente quer inventar. O que meu coração pensa existir e o que minha razão contradiz. É através dessas palavras que se encontram meus dias. Cada um com algo diferente… E confesso, até com um peso maior que outro. Mas ainda assim, para todos os efeitos, lá estão eles.
    E junto com os dias, estão as noites, as madrugadas. Guardo entre o que escrevo toda a solidão que me encontrei. Os pensamentos que foram minha única companhia. Os devaneios que foram… E que ficaram. Os sonhos que tive e os pesadelos que tentei esquecer.
    Entre tantas palavras e tantas folhas riscadas, tentei acertar e errei mais ainda. Usei as palavras para resolver de tudo. Tudo mesmo. Resolvi problemas através delas. Criei outros. Aprendi, ensinei. E principalmente: encontrei um modo de guardar as mágoas e os sorrisos em algum lugar. Não só em memórias… Mas por aí. Em folhas. Em páginas. Em rascunhos.
    Então descobri que escrever pode ter mil e uma definições, cheia de antíteses. Pode significar dar um basta. Tentar continuar. Esquecer. Relembrar. Guardar no fundo do baú. Eternizar. Deixar de lado. Reler todo dia. Sentir que superou tudo. Sentir que nada mudou. Gritar ao mundo que vai tentar. Perder os medos. Ganhar outros. Viajar para outros mundos. Perder-se em suas próprias alucinações. Tornar real o que não deixará de ser ilusão. Tornar ilusão o que deveria ser real. Encontrar um refúgio. Superar as mágoas. Sentir-se vazio. Sentir-se completo. 
    E para todas elas: escrever é – literalmente – libertar-se. Sentir-se parte de um universo paralelo, onde este é o único modo de fugir disso tudo. De encontrar-se consigo.