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  • É permitido sonhar?

    É permitido sonhar?

    Talvez esse texto fique confuso. Talvez faça sentido apenas para mim. Talvez seja só um meio de colocar pra fora alguns pensamentos em excesso na cabeça. Eles merecem sair – e esse é meu jeito de impulsionar essa fuga.

    Não existe um dia sequer que eu não pense sobre sonhos. Sei dizer quando começou? Que nada! Mas alguns momentos foram cruciais para essa repetição monótona:

    – Um projeto no trabalho voltado a adolescentes

    – Divertidamente 2

    – Crises e mais crises sobre “sucesso”

    Um contexto importante: eu fiz 30 anos há poucos dias. A ideia de entrar na terceira década de vida nunca foi tão pesada para mim. Até ano passado. Quanto mais próxima, mais questões surgiam. Mais comparações. Mais “e se”.

    Até que cheguei na pergunta: qual é o momento que a gente para de sonhar? Não aquelas cenas misturadas que aparecem na mente ao dormir – isso aqui continua. Mas a vontade de conquistar algo, seja lá o que for.

    Minhas crises sobre o tal sucesso me levaram a descobrir que eu abandonei tudo que idealizei. A vida virou a faculdade, o estágio. Aí veio o trabalho, a casa, as responsabilidades, os freelas para completar a renda… O que eu queria construir, apesar de ser a minha prioridade, nunca foi de verdade. Afinal, como algo pode ser mais importante do que sobreviver?

    Será que eu sou fraca ou a vida é dura demais para permitir sonhar? Será que a necessidade de me manter congelou minhas emoções? Será que joguei minha vontade para o fundo do poço para não criar mais uma ferida?

    Foi durante o tal projeto para jovens que eu encontrei a resposta. Ou inventei uma, que seja. A habilidade de sonhar só funciona quando existe espaço para ela. E quanto mais crescemos, menor é esse espaço. Porque é preciso dividir o ambiente com outras coisas mais concretas. Mais reais.

    Como sonhar com o futuro se eu preciso viver agora? Como planejar o amanhã se mal consigo dar conta das atividades de hoje? Como correr atrás dos meus sonhos se, após um dia exaustivo, eu só consigo me jogar na cama?

    De verdade? Não sei a resposta para nada. Talvez a habilidade de sonhar e realizar seja exclusiva para um grupo muito seleto de pessoas. Talvez eu não seja persistente o suficiente para alcançar. Talvez seja karma. Talvez eu sonhe errado. Talvez, talvez, talvez.

    Ou quem sabe o roteirista de Divertidamente 2 tenha respondido tudo com apenas uma frase. Talvez seja isso que acontece quando você cresce… Você sente menos alegria.

  • O primeiro, o único e o último

    Na saída, me espere no corredor da A-410. Josh.
    Li a mensagem sem entendê-la. Se Josh precisava me encontrar, significava que queria dizer algo. E se era assim, por que não havia me falado antes?
    Afastando esse pensamento, tentei manter o foco na aula. Ao meu lado, Josh estava inquieto, olhando algumas cartas que, sinceramente, não fazia ideia sobre o que significavam. Apenas conseguia reconhecer uma especial. Aquela única que, há algumas semanas, havia esclarecido tudo entre nós. Pelo menos sobre mim e meus sentimentos.
    Dois de seus amigos vasculhavam a caixinha cheia de cartas. Tentei me desligar da aula e espiar, apenas para saber o que elas queriam dizer. Em uma delas, encontrava-se o nome de sua mãe. Outra, de sua irmã. Não consegui ler o conteúdo, mas o olhar triste de Josh ao relê-las era visível. Não sei se tanto para mim quanto para os dois ao seu lado.
    Percebi que enquanto Marcos e Alex – seus colegas – remexiam nas cartas, Josh guardou uma em especial – a minha. Mentalmente, agradeci-o por isso. Não queria ter que escutar piadas dos dois. E, pelo visto, Josh entendia essa vontade.
    Comecei a entrar em meus devaneios, fugindo daquela aula que, sinceramente, já não sabia sobre o que se tratava. Lembrei do dia em que escrevi aquelas palavras que agora estavam em seu bolso. Coloquei meu coração nelas. Minha alma. E elas só me serviram para uma conversa constrangedora com ele. Josh havia deixado muito claro que, entre nós, existia apenas uma amizade. Só isso e nada mais.
    A professora liberou a sala e percebi que Josh se demorou um pouco. Lembrando do SMS – ainda aberto em meu celular – fui na frente e cheguei até o corredor indicado. Sentei-me em um dos degraus da escada e, após dois ou três minutos, vi alguém se aproximando. Era ele.
    – Sempre passei por aqui e nunca percebi como esse corredor era mais largo que os outros. – comentou.
    Josh estendeu sua mão e eu a segurei. Levantei-me e fiquei diante dele, esperando o que tinha de tão importante para dizer. Seja lá o que fosse, não poderia ser tão sério. Ou poderia?
    – Sue, a gente precisa conversar. 
    – Eu sei que precisamos. Seu SMS foi bem objetivo… Aconteceu alguma coisa?
    Josh ficou em silêncio. Enquanto ele lutava com seus sentimentos, eu tentava entender os meus. Ele sabia sobre eles. Pelo menos, eu havia deixado todos claros em minha carta. Tentei lutar contra os pensamentos que apareciam – principalmente aquela voz no fundo que gritava loucamente que, afinal, ele havia mudado de ideia. Ou entendido seu coração.
    – Eu estou indo embora, Sue.
    – Então, vamos. Você quer me falar no caminho? Posso ir com você até a avenida!
    Tentei seguir o caminho e, antes mesmo de completar meu segundo passo, ele me impediu de continuar. Josh olhava fixamente em meus olhos enquanto falava. Essa era uma de suas características mais marcantes: ser forte em qualquer momento.
    – Não é ir embora hoje. Pra sempre…
    – Como assim?
    Demorei para entender. Minhas lágrimas queriam sair e foi com dificuldade que consegui contê-las. Meu coração não era tão fácil de ser controlado: ele já estava a mil por hora. Se não fosse o ruído do corredor – vindo de salas mais adiante – seria fácil escutá-lo.
    – Meus pais decidiram ir embora. Não está dando mais para viver por aqui, entende? A família está toda desestruturada, com seus pedaços soltos por aí. Minha mãe tem pesadelos com minha irmã todos os dias. Já a peguei chorando e se lamentando na cozinha com Nancy, uma de suas ajudantes. Meu pai percebeu isso e resolveu que era hora de reunir todo mundo e começar a vida em um lugar só. E resolveram recomeçar na cidade onde minha irmã faz faculdade… Ela está no terceiro ano, já. É mais fácil pra todos.
    Josh terminou suas explicações mas, mesmo assim, ainda esperei por mais. Ansiava pela parte em que ele diria que era brincadeira. Ela não chegou. Com todas as forças que consegui reunir, minha voz saiu como um sussurro. Precisei tossir algumas vezes para conseguir pronunciar as palavras corretamente.
    – Você não vai voltar? Quer dizer… Nunca mais?
    – Provavelmente, não. 
    O choque de realidade me pegou desprevenida. Senti como se estivesse em um lugar quente e, de repente, numa sala fria. A mudança de temperatura – de sentimentos – foi o bastante para mim.
    Isso não poderia estar acontecendo. Era um pesadelo e eu devia acordar logo. Mãe, me chama. Diga que estou atrasada. Qualquer coisa… Apenas me acorde.
    Fiquei alguns minutos pensando no que acabara de escutar. Josh esperou, pacientemente, por alguma reação. Ela tardou e ele resolveu quebrar o silêncio, tentar suavizá-lo.
    – Ninguém sabe sobre isso, Sue. Mas achei que deveria te contar… A primeira e única a conhecer isso. Você é a única pessoa que realmente me importo aqui. Já te falei sobre tudo isso e volto a repetir: você é a amiga que nunca tive e, provavelmente, nunca terei. 
    – E você vai assim? – disse, ignorando tudo o que sua voz jogava para mim. Ele iria embora… E era minha última chance de fazer esses oito meses valerem algo. Eu tinha que arriscar. Aliás, deveria arriscar. Deveria ter feito isso antes, mesmo após a carta. Era o certo… Agir. Tomar a iniciativa. Não somente com as palavras que sofri para escrever, mas com atitudes.
    – Assim? – seu rosto era um mix de confusão e tentativa de permanecer no foco da conversa. – Assim como, Sue?
    – Sem dar uma chance para nós.
    O silêncio foi confortante. Enquanto pensava no que acabara de dizer, Josh se aproximou de mim. O que era para ser um abraço, acabou se tornando outra coisa. Seus braços envolveram minha cintura e deixei que ele aproximasse meu corpo do seu. 
    – Pensei que não tivesse restado nada de mim em você. – desabafou. – Pensei que teria que ir embora sem sentir algumas sensações que iriam tomar meus pensamentos por algum tempo.
    – Que sensações?
    E, apertando-me mais contra seu corpo, Josh me beijou. Aquele foi o nosso primeiro beijo. O mais doce e o mais amargo. O primeiro, o único e o último.
    Conto inspirado em um sonho.
  • Aquela aula

    Parece que, ultimamente, começo de aula significa sono para mim. Estava tão exausta que a voz da professora servia como canção de ninar para meus ouvidos. Apoiei meus braços na carteira e deitei minha cabeça sobre eles, ainda – tentando – entender algo que a senhorita Veloso ensinava. Era um esforço e tanto da minha parte.
    – O trabalho de hoje é simples, turma. – Começou a professora – Vou formar duplas e vocês terão que criar um texto sobre as consequências do preconceito para a sociedade. Bom, vamos lá!
    Demorei alguns segundos para entender o motivo de tanto movimento na sala. Peguei minha bolsa (que a essa hora já estava no chão) e acompanhei meus colegas. Estava procurando minha amiga, Rafaela, quando a professora nos interrompeu. 
    – Eu disse que eu formaria as duplas, pessoal! Quero todo mundo nos seus lugares, vou informá-los seus parceiros em alguns segundos.
    A senhorita Veloso se escondeu atrás de uns papeis e, momentos depois, levantou-se novamente. Aquilo já estava me dando sono, de novo.
    Toda a turma recomeçou a se movimentar assim que a voz da professora foi informando quem ficaria com quem. Gritinhos aqui, suspiros de decepções ali e eu quase caindo em minha inconsciência. Até que ela falou minha dupla.
    – Lia Dourado e Diego Martins. Dupla número 5.
    Escutar meu nome e o dele ao mesmo tempo foi como um ar gelado em meu rosto quente. Não tinha certeza se era aquilo que ela havia dito e fiquei com medo de levantar. Olhei para o outro lado da sala e ele ainda estava ali, parado, como se não importasse com quem faria a atividade. Diego me olhou, esperando que eu me levantasse ou fizesse algum gesto para que ele se sentasse ao meu lado. Congelei onde estava.
    A professora ainda me encarava, esperando algo de mim, com certeza. Juntei minhas coisas, levantei e, sob olhar da senhorita Veloso, fui sentar-me ao lado de quem eu deixaria por último na minha lista de parceiros.
    Diego me olhou, indiferente, e começou a prestar atenção na lousa. A professora escreveu o tema da atividade no quadro, explicou como queria que fosse feito e se sentou. 
    – E então, quem começa? – Diego me perguntou enquanto procurava seu caderno e sua caneta. Ele escreveu seu nome, número e a classe. Depois, empurrou a folha para o canto da mesa, em minha direção. Fiz o mesmo e escrevi meus dados ali, ainda com o olhar baixo.
    Diego aproximou sua cadeira da minha, talvez porque pensasse que eu não o escutava. Seja lá quais eram suas intenções, permaneci intacta. Até que senti algo grudar em minha cabeça, quente.
    – Olha, Lia, somos nós no quadro! – Ele riu. – Nossas cabeças estão juntas, parecemos um casal.
    – É… Parecemos mesmo. – Encarei nossos rostos na lousa, que por culpa da luz, agora refletia algo que lembrava nós dois. Fitei nossas cabeças coladas, querendo rir daquilo ou, quem sabe, acordar do sonho idiota. 
    – Sabe, ver isso faz meu coração doer. – Diego comentou, ainda com sua cabeça colada na minha. Senti seu olhar abaixar.
    – Por quê? – Perguntei, realmente curiosa.
    – Porque não ajuda em nada nos ver assim. – Ele voltou a sua posição normal, assim como eu. Nos olhamos e fiquei surpresa com o que ele havia dito. Se não o visse pronunciar as palavras com tanta clareza, pensaria que estava alucinando.
    Não resisti e, sem me importar se alguém nos assistia, sem ligar para a redação idiota da professora e sem lembrar de que eu evitava sequer olhar para Diego só para não entregar o que sentia, eu uni nossos lábios. Comecei com um selinho, e mesmo sendo tão bobo, meu estômago se encheu de borboletas. Eu nunca o tocara assim, e fazer isso de uma hora para outra, poderia vir de qualquer uma. Menos de mim.
    – Isso ajuda? – Perguntei, tonta.
    – Não, não ajuda. – Ele retribuiu o selinho. E, mesmo sem querer, eu sorri. Meus lábios se puxaram automaticamente, assim como minha boca colou novamente na dele.
    – Acho que ajuda.
    – Não, acho que isso, sim, ajuda.
    Diego colocou suas mãos em meu pescoço, me olhou com seus olhos penetrantes e, antes de me beijar, sorriu, do jeito que eu nunca o vira sorrir, não para mim. Sua boca tocou na minha e nossas línguas não demoraram a se encontrar. Não sei quanto tempo ficamos ali, curtindo um ao outro, curtindo o que havíamos descoberto em alguns minutos. Mas nada nos deteve: nem a professora e seus papéis, nem nossos colegas de sala e suas redações.
    Nós sorrimos um para o outro e sentamos mais perto. Encostei minhas costas em seu peito e ele fechou seus braços por minha cintura. Eu não tinha certeza se aquilo era um sonho. A única certeza que eu tinha era que, se fosse, eu queria permanecer dormindo por muito tempo.
    – Lia, você vai de transporte escolar? – Perguntou-me, após um tempo.
    – Não, vou de ônibus. Tenho curso depois daqui. Por quê?
    – Ah, queria que você fosse comigo. – Lamentou-se. – Ia ser tão bom te ter do meu lado por mais tempo…
    Eu olhei em seus olhos, sem saber o que dizer. Entrelacei nossos dedos, esperando que esse simples gesto fosse o suficiente para mostrar como eu queria aquilo também. 
    Diego puxou nossas mãos para seu coração e me beijou novamente. E enquanto nossas línguas se reencontravam, minha mão sentia o calor da mão dele. Era como uma cena de um filme: tudo perfeito, sem nada que pudesse nos atrapalhar. E, como complemento, nossos corações agiam como trilha sonora, deixando tudo mais perfeito… Deixando tudo se explicar.
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    Da blogueira: Quero que me perdoem pelo texto bobo, enorme, romântico e meloso. Na verdade, só reescrevi um sonho que tive esses dias (que me inspirou para este texto também). Eu queria guardá-lo e transformar tudo isso em conto foi o melhor que pude fazer. Não sou boa para lembrar de meus sonhos quando acordo, mas grande parte é real. Sei que vocês vão me entender melhor que ninguém… Afinal, sonhos nunca tem sentido. Principalmente quando há algo mais envolvido neles. Beijos, Julie.