Quando você pensa em favela, qual é a primeira coisa que vem à sua cabeça? Muitos podem se basear em centenas de estigmas, preconceitos e julgamentos para responder essa questão. Mas a verdade é que essas comunidades são muito mais do que a mídia apresenta, sabe? Tipo, você já parou para pensar no estilo da galera que mora nesses locais? As inspirações, as preferências de compra e até mesmo a relação com a moda? O projeto Essência Favela, criado pela dupla Beatriz Gil, de 20 anos, e Gabriela Rolemberg, de 21, veio para representar o estilo de mais de 11 milhões de pessoas que, segundo o Censo Demográfico de 2010, vivem em comunidades espalhadas pelo Brasil.

Além de ser criada por duas minas e representar uma galera que é marginalizada na moda, uma das coisas que eu mais curto na marca é que ela nasceu como um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Ou seja: o que poderia ser “só” um projeto para se formar na faculdade, se tornou algo muito maior.
Não é a toa que o objetivo da Essência Favela é inspirador: trabalhar com a moda da comunidade, voltada para o que essa galera quer usar, com qualidade. Além disso, a Bia ainda diz que o projeto também é uma forma de incentivo. “Além de desenvolver conteúdo dentro de lá, mostrar que a favela produz e empreende”.

A ideia do projeto veio da vontade de trabalhar com a moda de uma forma mais voltada para causas sociais. Por exemplo, a Gabi sempre amou funk e foi muito julgada por isso. Mas foi por meio desses rolês que ela percebeu como a moda estava tomando forma e força nesses lugares. “Quando acompanhava eventos como o São Paulo Fashion Week, via um conteúdo repetitivo, sem identidade. Ou seja: a moda das ruas, que tinha potencial, não era vista nem trabalhada. Quando isso acontecia, era de forma contraditória aos valores absurdos, que já discordavam do poder aquisitivo do público original”.
A originalidade do projeto ainda foi além: as meninas foram até as comunidades da Baixada Santista com objetivo de conhecer a realidade e ainda transformar o conteúdo dessas visitas em estampas. Outra ideia fantástica foi usar pessoas reais na marca. Toda a galera das fotos são moradores de favelas aqui da região. Nada de modelos, igual marcas grandes. Só gente da vida real! “Trabalhar com jovens de lá e dar visibilidade a eles é o certo e o que a marca representa”, explica a Bia.

Tenho certeza que, só com essa introdução, já deu para entender a importância da Essência Favela, né? Como a entrevista com as meninas ficou muito legal, resolvi trazer um pouquinho mais para vocês. Dessa forma, vocês conseguem conhecer outras curiosidades desse projeto lindo e super inspirador!
JULIE: Como funcionou todo o processo de criar o Essência Favela?
GABI: O Essência Favela saiu quase que 100% das nossas mãos. Todo o processo de criação, modelagem e costura foi feita só por nós duas, então foi bem pesado! Para a criação das estampas, edição de vídeo e fotógrafos, nós tivemos que dar uma ampliada. Afinal, fugia das nossas habilidades e nós queríamos tudo com a melhor qualidade possível. Nossa ideia era sempre manter o projeto nas mãos de pessoas das comunidades da Baixada [Santista], realizar um trampo de qualidade feito por nós e essa galera. Para as fotos da coleção também: nós juntamos um pessoal, amigos nossos mesmo, que moram nas favelas de Santos, São Vicente e Guarujá, e que tinham uma história bacana, que ornava com o Essência. E super rolou! Apesar de todas as dificuldades, o projeto teve um resultado lindo.
JULIE: Como foi o processo de pesquisa de campo, estilo e estampas para chegar até as peças e estilo do projeto?
BIA: O processo de pesquisa que nós tivemos foi literalmente ir até às perifas e bater um papo com jovens de cada uma delas. Sentar, ouvir o que eles gostam e o que é legal e conectar o conhecimento de moda com os interesses. As estampas foram fotografias que tiramos nessas visitas, que depois viraram as composições que estão nas peças, além de transformar isso em uma coleção, com peças que representam as favelas e a essência que existe nelas.

JULIE: Vocês fizeram as peças inspiradas nas comunidades da Baixada Santista ou tentaram trazer um estilo que todos conseguissem se identificar?
GABI: Nosso foco nessa “apresentação” do Essência era realmente a Baixada, por ser nossa casa e porque nós percebermos que, diferente das favelas de SP, a Baixada ainda é muito mais “raiz”, com menos influências fashionistas. Quando digo isso, não acho que seja melhor ou pior, mas uma característica que nos agrada e que valeu a pena trabalhar em cima. Mesmo com a ideia de exaltar a Baixada nessa primeira coleção, o objetivo do Essência Favela é mostrar as qualidades e potencial criativos das favelas em geral. Existe uma singularidade em cada região, claro, mas de modo geral há também uma pluralidade que une o visual das favelas. E é aí que vamos trabalhar!
JULIE: Quais foram as maiores dificuldades que vocês tiveram com o projeto (dentro e fora da faculdade)?
GABI: Com certeza, o orçamento foi uma dificuldade. Nós não tivemos nenhum patrocínio, mesmo correndo atrás, então tudo o que rolou foi com nosso dinheiro e ajuda de parentes. Nós até fizemos uma rifa que levantou R$500 e ajudou demais. Além disso, não foi fácil trabalhar com um projeto de TCC voltado para a favela em uma das maiores faculdades de moda do Brasil. O projeto era bem mal visto entre o corpo docente, mas tivemos alguns poucos apoiadores que foram essenciais e ajudaram a fazer acontecer. Já fora da faculdade, foi mais tranquilo. Nós estávamos cercados de pessoas da comunidade e que acreditavam no projeto, então o preconceito passava longe.
JULIE: Como vocês avaliam o mercado da moda para as pessoas da comunidade? Há criações específicas para elas? Ou as marcas ainda não enxergam essa galera?
GABI: O mercado, no geral, tem um grande déficit na união de qualidade de mão-de-obra e baixo custo, muito por conta do sistema de fast-fashion (essa moda de rápido descarte de peças e grande fluxo de produção). Isso dificulta todos os lados, em especial o do consumidor com menos dinheiro. Ainda não existem grandes marcas voltadas para o público da favela. O que eu vejo mais é um movimento de baixo para cima acontecendo. A própria galera da comunidade está criando e inventando moda, por meio de pequenas produções, dos brechós, customizações e até troca de roupas – que hoje está na moda entre a galera ecologicamente correta, mas na favela já existe há muito tempo. E isso é muito foda. Dessa forma, a gente está ganhando força e espaço, mas ainda falta muito.

JULIE: Qual é o maior aprendizado com o Essência Favela para vocês?
GABI: Ainda tem muito para acontecer, mas ver que a nossa ideia deu certo (e está dando) é muito louco. Para mim, o maior aprendizado foi todo o processo de me reconhecer e me orgulhar como mulher pobre e negra. O mais engraçado foi que isso começou a acontecer só depois que sai da Baixada e vim para São Paulo. O Essência é resultado dessa mudança, vitória e orgulho de vir de onde vim e das pessoas que me ajudaram a estar aqui. Além da força da união, cada um que fez parte do projeto foi tão essencial, e se fizeram tão presente. Foi lindo!
BIA: Acho que o maior aprendizado que eu levo com o projeto todo do Essência é coragem. Além disso, abrir espaço para as pessoas entrarem em nossas vidas, ouvir o que elas têm a contar e fazer isso valer a pena.
JULIE: O que o projeto significa para vocês?
Significa uma chance de dar voz a quem não tem. Principalmente, incentivar as pessoas a abrirem a cabeça para o que não conhecem, todos os lados. Usar a moda como instrumento de mudança e divulgação de ideias é um dos nossos principais objetivos.
JULIE: Qual é o futuro do Essência Favela? Qual o maior sonho de vocês com relação a ele?
O futuro do Essência Favela é muito trabalho. Agora estamos cuidando da parte mais burocrática da marca para entrar com tudo e cheio de conteúdo daqui há alguns meses. Nosso maior sonho é ver a marca sendo desenvolvida com uma equipe 100% das comunidades, uma galera pró-ativa e cheia de criatividade. Ver o Essência gerando renda e movimentando esse lugares, tornar isso algo normal e uma ideia a ser propagada em outros estados.

Legal, né? Desde que conheci o Essência Favela, fiquei apaixonada. Achei a ideia incrível, super representativa e que leva em consideração, de verdade, a galera das comunidades. Eu, que cresci em bairro periférico, sei a importância que esse projeto tem. Não só de mostrar a favela para quem está fora dela, como, principalmente, dizer para quem mora ali que ele também merece ser visto.
Para conhecer e seguir a marca, não se esqueça de segui-las no Instagram. Por lá, a Gabi e a Bia atualizam o perfil com fotos e vídeos do trabalho, bem como a coleção que nasceu com o projeto.
E vocês? Já conheciam o Essência Favela? O que acharam do projeto? Deixem nos comentários!
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