
Nós nos encontramos na fila do banco aquele dia. Eu usava aquele tênis surrado de sempre. Você, uma camisa que te presenteei. Eu poderia reconhecê-la de longe. Fiquei semanas juntando o troco do lanche da escola só para comprá-la para você. Lembra?
Tentei desviar mas você sentiu meu perfume. Não era por menos: foi você mesmo que me deu num aniversário há alguns anos. Eu nunca parei de usá-lo, sabia? Virou meu aroma. E, pelo visto, você não o esqueceu.
– Você por aqui, Camy?
Sorri sem graça. Não sabia o que dizer e não esperava sentir as borboletas no estômago. Meu coração já não tinha se acostumado ao vazio? Pensei que sim.
– É… – hesitei. – Minha mãe pediu para pagar umas contas.
Mordi a língua e tentei não falar mais nada. Queria perguntar se você ainda lembrava das manias dela. Ou das minhas. Sacudi a cabeça, tentando me livrar dos pensamentos que agora emergiam.
Já estava ali e não poderia escapar. Fiquei atrás de você na fila, apenas esperando que o caixa fosse rápido o bastante para me livrar de tudo aquilo. Eu fugiria dali se a conta não estivesse atrasada há três dias. Minha mãe iria me matar se o preço aumentasse.
Mas quase valia a pena pagar alguns reais a mais só para me livrar de você. Eu poderia deixar a covardia me levar. Só que, lá no fundo, eu sabia que ela, literalmente, me custaria caro.
A fila diminui e o silêncio aumentou. Seu perfume estava me entorpecendo e tentei não fixar minha mente nisso. Para passar o tempo, comecei a olhar outras filas. Outros rostos. Tentei sentir outros perfumes também e reparar nos garotos que usavam camisa xadrez. Não deu certo.
O único que atraía meus olhos não estava vestindo minha estampa favorita. Ao contrário. Usava uma camiseta verde, a cor que eu mais odiava no mundo. Lembro que, quando você abriu o pacote e deu de cara com ela, riu da minha expressão de nojo. Sorri com a lembrança. Você também vestia uma bermuda folgada, do tipo que meu pai nunca aprovaria.
Olhei para a frente. Você estava no caixa, separando uns trocados e tirando a carteira do bolso. Tentei espionar para saber se você ainda guardava aquela fitinha da cidade de Aparecida. Lembra o quanto gostava dela?
Suspirei. Você terminou suas obrigações e, com um sorriso, acenou para mim. Sorri em resposta e dei um passo para o atendente enquanto meu coração não conseguia se acalmar.
3 Comments
Amei seu texto, você devia fazer o 'fila do banco 2'.
OBS: vi seu blog nas indicações que a capricho fez e amei, me identifiquei bastante sabe, meus parabéns!
Nossa é tão chato quando topamos com alguém assim né?
Você escreve muito bem 😉
Coloquei um banner seu no meu blog. Posso deixar lá?
http://www.avidaemletras.com/
Texto lindo Julie! Amo suas crônicas. Beijo!
conversasemilkshakes.blogspot.com.br