Pouco mais de uma semana atrás, a cantora Luísa Sonza, de 20 anos, viu seu nome receber destaque em portais, hashtags populares e comentários nas redes sociais. Infelizmente, não por uma música nova lançada, um recorde adquirido ou uma novidade sobre sua vida. Luísa era a nova vítima de cibercrime: a cantora teve uma foto sua, totalmente nua, divulgada em seu Instagram.
No começo do burburinho, muitos internautas ainda não sabiam que aquela divulgação se tratava de um crime e não de uma vontade própria da cantora. E nenhuma das opções foi capaz de evitar os comentários machistas sobre o corpo de Luísa e a atitude de clicar um nude.
O corpo feminino é julgado, objetificado e invadido todos os dias. São inúmeros casos de preconceito, comentários e abusos. Diariamente, nós, mulheres, somos vítimas de machismo, assédio, estupro e tantos outros péssimos “hábitos” que a sociedade, racional ou irracionalmente, vê acontecer em seu próprio terreno. E nada faz.
Casos como o de Luísa não são capazes de vitimizar a mulher em nenhum dos passos do crime. “A culpa foi dela”, que tirou a foto. “A culpa foi dela”, que enviou a imagem. “A culpa foi dela”, que permitiu que a senha do Instagram fosse roubada.
“A culpa foi dela”. É o que ouvimos de todos os lados, independentemente do crime em questão.
Ser mulher em uma sociedade machista é ser a culpada, mesmo em situações em que somos vítimas. E, até quando alguém não aponta o dedo para nós, fortalecendo esse sentimento de culpa, ele já é presente. Quantas vezes você não se puniu por usar uma roupa curta e receber um assédio na rua? Ou quantas vezes você se impôs em uma situação visivelmente machista e se arrependeu por ser “grossa demais”?
Nós não estamos livres nem de nós mesmas.
A divulgação de um nude é só um exemplo de tudo que sofremos no dia a dia. E está longe de ser um risco apenas para mulheres famosas, viu? Pode acontecer com qualquer uma de nós, por diversos motivos: chantagem, relacionamento abusivo, zoeira, e por aí vai.
A Cá (nome fictício para preservar a miga) também passou por esse turbilhão. “Eu tive um namorado em 2012 e tiramos uma foto juntos. Eu estava com ele, mas só de calcinha”, descreve. Na época em que o casal se separou, ela conta que pediu para apagar qualquer coisa dela. “Acontece que o celular dele foi roubado na época. Ele me garantiu que tinha deletado tudo e bloqueado o IMEI (código numérico único e global que identifica celulares internacionalmente)“. Mas, no início do ano passado, a história voltou à tona.
“Ele me chamou, disse que um suposto cara havia publicado a foto nos comentários do Facebook dele. Falei que, se fosse uma chantagem, iria chamar a Polícia. Mas ele falou que conversou com o indivíduo, que disse saber de nada”, relata.
Foi no meio da confusão que a Cá compartilhou o suposto print com uma amiga. “Ela me disse se tratar de uma montagem. Esse meu ex era web designer, ou seja, ele poderia ter feito para chamar a atenção, sabendo que sou super reservada sobre relacionamentos”.
Na época, a Cá diz que ficou muito arrasada. “Ele tinha me traído, fiquei depressiva, emagreci… Quando praticamente nem lembro que ele existe, do nada, ele surge com uma foto que eu nem lembrava da existência. Confiei na palavra dele“, conta. O medo, também, era de pessoas próximas terem acesso à imagem. “Já pensou minha família vendo e falando que nunca pensou que eu era esse tipo de garota”?
Mesmo após um ano, as cicatrizes ainda são presentes na vida dela. “Até hoje, me sinto vulnerável e com medo de ser exposta. Foi algo que fiz na adolescência, era apaixonada, não tinha autoestima nenhuma. Só queria agradar o cara que eu gostava“.
A reação da Cá foi diferente da Luísa, que disse não se sentir tão abalada pela exposição. “É só mais um peito, é só mais uma foto, todo mundo tem isso aí, né?“, disse nas redes sociais. Segundo a cantora, a imagem foi enviada para o marido, Whindersson Nunes, quando os dois estavam longe. “Eu acho que alguém pegou minha senha, postou. Não sei por que a pessoa fez isso, eu não entendi“.
As reações de ser vítima de uma exposição do seu próprio corpo, sua intimidade e sua vida, podem ser diferentes para muitas meninas. Já houve casos em que a vítima entrou em depressão, começou a se automutilar ou até cometeu suicídio. Muitas perdem seus empregos, o contato com a família e até com amigos. É assim que vamos continuar tratando as vidas das nossas meninas?
Tudo isso por conta de uma foto. De um corpo. Como a própria Luísa disse, é só isso: um corpo. Com seios, virilha, bunda, vagina. Nada demais.
Nós somos criadas para esconder nosso corpo, odiá-lo se estiver algumas gramas além do padrão, gostar do outro, mas não de nós mesmas. Aprendemos o que é bonito e o que é feio, como se houvesse uma regra. Nós passamos por dietas malucas, cortes em cirurgias, zoeiras em sala de aula… Como crescer com uma autoestima que se sustente? Dessa forma, quase impossível.
Só pela foto existir, nós já somos erradas. Só pelo nude ser clicado, nós já somos as criminosas. “Como uma mulher pode se submeter a isso? Foto nua é coisa de pessoa errada. Mulher correta não faz essas coisas”. É isso que escutados.
Porque mulher não pode se amar. Não pode se curtir.
E é justamente a ausência do amor próprio que faz tantas garotas serem facilmente manipuláveis para tirar uma foto nua e enviar para alguém. Muitos homens sabem disso e se aproveitam para conseguirem o que querem. Veja bem: tirar uma foto pelada não é errado. Você pode tirar fotos do seu corpo, seja para se conhecer melhor ou para se sentir ainda mais linda. Pode enviar, se quiser, se for da sua vontade, se for para alguém totalmente confiável. Você não está errada! O crime é divulgá-lo sem autorização da vítima. Mas, infelizmente, invertem esse papel.
Inclusive, em setembro de 2018, a Lei Nº 13.718 entrou em vigor para, entre outros pontos importantes, criminalizar a divulgação desse tipo de material, que inclui: cena de estupro, de sexo ou pornografia. Ou seja: é proibido oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar esse tipo de material por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual. Se o autor for identificado, pode pegar de um a cinco anos de prisão.
Além disso, há também a Lei Carolina Dieckmann, de 2012, que proíbe a invasão de dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com objetivo de possuir, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa do dono do aparelho.
É importante sinalizar, também, que compartilhar um nude ou qualquer material de incentivo à cultura do estupro e pornografia, seja por Instagram, Whatsapp, Facebook, ou qualquer outro meio, também configura crime!
Infelizmente, mesmo com tantas leis, é difícil ter um punido. Geralmente, esse papel fica para a própria vítima, que muitas vezes vê sua vida virar de cabeça para baixo. Até quando?
Crime é crime. E quem deveria pagar por ele é o criminoso. Mas, quando a vítima é mulher, pouquíssimas vezes somos poupadas. A culpa é da roupa, da confiança, do lugar onde estava, da provocação. Sempre pontos de responsabilidade da mulher. Nunca do agressor.
Precisamos ensinar nossas meninas a se amarem mais. E, aos nossos meninos, a nos respeitarem mais. Quem sabe, assim, não teremos mais casos como da Luísa, da Cá e de tantas outras garotas que, diariamente, são vítimas do machismo desenfreado da sociedade. Precisamos parar isso. Pra já!
Nota importante: se você está passando por chantagem sexual, entre em contato com a SaferNet Brasil. O canal é especializado em crimes online e pode te ajudar com a denúncia. Além disso, guarde as provas e converse com alguém de confiança. Não deixe para lá, sua voz importa. E muito!