Tag: amor

  • Conflitos de uma paixão: capítulo 3

    Leia o segundo capítulo.

    – A senhora quer suco de laranja ou limão? 
    – Laranja. E que você pare de me chamar de senhora, Marta. – sorri. Marta era nossa empregada que, às vezes, agia mais como mãe e amiga. 
    – Desculpa, Amanda. – ela pegou a jarra de suco e serviu-o num copo. – Às vezes esqueço como o tempo voa. Parece que foi ontem que cheguei aqui… E não perdi algumas manias, ainda. 
    Marta sorriu e deixou-me sozinha na mesa. Apesar de não querer admitir, ela tinha razão: o tempo voa. 
    – Mãe! 
    Rupert chegou correndo à cozinha e sentou em meu colo. Sorrindo, entregou-me um desenho que tinha feito na escola no dia anterior. 
    – Pra você, mamãe! 
    Peguei a folha de sua mão. Entre os rabiscos indecifráveis, consegui enxergar Matthew e eu de mãos dadas. Incrível como Rup ainda levava essa cena na memória. Já fazia tempo que, nem em minhas alucinações, isso acontecia. 
    – Que lindo, meu amor! – apertei-o em meus braços, arrancando um sorriso seu. – Então quer dizer que meu pequeno vai ser artista? 
    – Não, mamãe! – respondeu, ainda sorrindo. – Eu quero ser fotógrafo. Ah, não… Quero ser astronauta. Ah, não… 
    – Calma, Rup! – sorri, beijando-o a testa. – Você tem tempo para pensar. Mas, se continuar assim… – sorri – você vai acabar sendo um grande desenhista, viu? 
    Rupert sorriu e saiu de meu colo, correndo novamente. Aproveitei aquela boa aura que meu filho deixou e subi para meu quarto. Evitei olhar-me no espelho. Não suportava ver que aquele brilho no olhar havia se perdido ao longo dos anos. 
    Peguei a roupa em cima da poltrona, tomei um banho e vesti-a. Apanhei as chaves do carro na mesa ao lado da cama e corri para a garagem. Antes de tocar no volante, respirei fundo. Tentei deixar a tristeza e a nostalgia para trás, lá embaixo do travesseiro ou misturado aos cobertores. Precisava me acalmar. Afinal, umas duas dúzias de crianças me esperavam na biblioteca, ansiosas para conhecer a história do dia. 
    E, para falar a verdade, um pouco de ficção era tudo o que eu precisava para fugir, nem que por algumas páginas, da realidade em que me meti.
  • Conflitos de uma paixão: capítulo 2

    Leia o primeiro capítulo.

    Conheci Matthew na universidade. Ele era veterano em Música. E eu, caloura de Letras. Como diziam: ele tinha a melodia e, eu, as palavras. Era a melhor maneira de nos descrever na época. 
    Não havia um casal de amigos mais ligados que nós. Nossa amizade começou no primeiro dia, assim que esbarrei em suas coisas e deixei seu violão cair. Após xingar baixinho, Matt me ajudou com meus livros. E, na desculpa de me guiar para encontrar minha sala, ele me acompanhou pelo campus. Conversamos sobre tudo. Tudo, mesmo. Era como se eu já o conhecesse há anos. 
    Nossa amizade continuou após Matt se formar. Continuamos nos vendo fora dos corredores e além dos intervalos. Seus problemas eram meus problemas. E um deles se tornou, literalmente, meu. 
    George, seu pai, sempre foi apegado aos negócios. Preocupado com o andamento da empresa de sua família, George queria, mais que tudo, um neto. Sua saúde não ia bem. Assim como o medo de perder a herança que recebeu. 
    Matthew era filho único. E, como garantia, George precisava de um neto. Só assim, segundo ele, seu “reinado” poderia ser passado ao filho. Claro que, assim como eu, Matt achava tudo isso uma tremenda bobagem. 
    Porém, George estava pior a cada dia. Espalhava aos quatro cantos da casa que, antes de morrer, necessitava conhecer seu pequeno herdeiro. Queria mais que tudo – até mesmo que saúde – que Matthew tivesse um filho. 
    É aí que entro na história. 
    E é aí que minha paixão – mesmo que confidencial – arruína tudo. 
    Matthew estava desesperado. Queria se livrar da ideia maluca do pai. Mas, por outro lado, também queria deixá-lo partir feliz. Ele sabia que a morte de George era inevitável. Seu coração já não aguentava mais e, a cada dia, sua aparência piorava. Os dois ataques cardíacos haviam acabado com o pai. Até Matt, que sempre vivera sorrindo e cantando, tinha uma aparência mais doentia. 
    Era pressão para todos os lados. 
    Matt queria agir logo. Desesperado, ligou para a escola onde eu estagiava. Após o fim do meu expediente, encontrei-o em um pub no centro da cidade. Matthew estava exausto, sonolento e, principalmente, nervoso. 
    Não me lembro de suas palavras exatas. Apenas consigo lembrar de seus olhos cheios de lágrimas, suplicantes. 
    Seu pai queria um neto. 
    Matt queria ver seu pai feliz. Seja onde estivesse e seja como fosse. 
    Eu queria que meu melhor amigo tivesse uma solução para esse problema. 
    E a solução apareceu. A solução era eu. Eu e uma inseminação artificial que, apesar das complicações, me deu o melhor presente do mundo: Rupert Brown.
  • Conflitos de uma paixão: Capítulo 1

    Leia o prólogo.

    Tive uma noite difícil. Sonhos complicados. Sonhos que, na verdade, são partes de meu passado. 
    Aquele passado que te marca para sempre. 
    Tentei fechar os olhos e me forçar a dormir. Besteira. Meus 25 anos parecem que não me ensinaram nada sobre mim. Pesadelos não se curam com sono. Afinal, sono é a última coisa a aparecer após um sonho ruim. Pelo menos é assim comigo. 
    Desisti de não pensar naquelas cenas que minha mente fez o favor de relembrar. Incrível como alguns anos fazem toda a diferença. E, na minha vida, eles carregam muito mais que decisões difíceis. Guardam muito mais. 
    Não queria pensar no sonho. Ou pesadelo. Ainda não sei como chamá-lo. 
    Na verdade… Às vezes me sinto confusa. Não tenho certeza se o passado foi tão ruim. Não tenho certeza se minhas lágrimas estão escorrendo pelo meu rosto por arrependimento ou por nostalgia. Ou pelos dois. 
    Queria me obrigar a não lembrar de tudo. Mas é impossível. 
    Voltei minha vida há, pelo menos, três anos. Não tem como não sentir falta daquilo. Ou ter vontade de voltar e mudar tudo. Essa minha fase passa por meus olhos a cada vez que vou dormir. Não admito que sinto falta. Este é um segredo meu. E só meu. 
    Enquanto penso em um momento mais feliz que este, Matthew se levanta da cama. Como sempre, seu lado se torna só mais um espaço vazio. Apenas mais um, entre tantos outros que se formaram ao longo dos anos. 
    Anos que se passaram sem que eu percebesse. E é incrível como, às vezes, ainda sinto que vivo neles. Lá no passado, onde Matthew e eu éramos algo mais que hoje.
  • Contando uma canção: Tentando ter você de novo

    Entrei em um táxi, apressada, apenas com um pensamento em mente. Entreguei um dos papéis que estava em minha mão ao motorista e pedi que me levasse àquele endereço. Ele assentiu e ligou o carro.
    Sabia que a viagem não era curta e foi com impaciência que passei todos aqueles minutos. Enquanto outros carros corriam lá fora, tentei lembrar dos últimos minutos que passei ao lado de Daniel. Gritos, lágrimas, adeus… Erros. Sempre eles.
    Tentei ignorar suas razões. E eu sabia que elas eram muitas. Não consegui conter o choro enquanto corria – desesperada – para sua casa, tentando fazê-lo voltar mais uma vez. 
    Automaticamente, lembrei de nossos momentos juntos. Minha mente se encheu de lembranças de dias melhores, onde escrevíamos nossos nomes na areia da praia ou até corríamos para o mar. Sorri com todas essas memórias que, se tivesse azar, seriam apenas isso. Memórias.
    O carro parou no semáforo. Ansiosa, não conseguia parar de balançar os pés. Eu queria chegar na casa de Daniel logo. Eu precisava dizer tudo o que estava guardado… 
    Indiquei um atalho ao motorista e ele seguiu sem falar nada. Depois de alguns minutos (que me pareceram horas), cheguei à porta de Daniel. Paguei o taxista, desci do carro e respirei fundo. Já estava ali, agora era só fazer o que preparei durante o caminho inteiro.
    Bati na porta três vezes antes de, finalmente, Daniel vir ao meu encontro. Ele me olhou de um jeito estranho, uma mistura entre raiva, mágoas e um sorriso forçado. Tentei retribuir antes de entrar na sala.
    – O que faz aqui, Mary? – perguntou. 
    Hesitei por um instante e me fiz a mesma pergunta. Antes de responder, respirei fundo novamente. Por qualquer coisa, eu poderia cair aos pedaços ali mesmo.
    – Vim pedir desculpas. – olhei em seus olhos antes de completar – Estou arrependida, Daniel.
    Ele ignorou e virou para o lado. Cheguei mais perto e coloquei um papel em sua mão. Ele apertou-o antes de abrir e leu em voz alta:
    Eu estava invadindo seus segredos? Eu estava perigosamente perto? Você está me afastando quando eu quero entrar.

    Em sua voz, tudo pareceu mais idiota do que já era. Minha vontade era sair correndo, dizer-lhe que era um engano e que eu não deveria nem estar ali. Mas não conseguia… Se fizesse isso, estaria mentindo.
    – Mary… – disse, olhando para o fundo da sala – Eu não sinto nada por você. Nada mais. Vá embora… Me esqueça. Você merece alguém melhor e sabe disso.
    – Então você vai me deixar agora? – perguntei, quase desabando. – Logo agora quando mais preciso de um alguém? De você?
    Daniel não respondeu. Apenas pegou minha mão, beijou minha testa e me levou até a porta. Antes de fechá-la, devolveu-me o papel que havia lhe entregado. Fiquei ali parada por alguns segundos até me dar conta de que tudo isso não tinha adiantado em nada.
    O tempo tinha mudado. Agora uma chuva gelada cobria meu rosto. Andei pelas ruas apenas deixando aquelas gotas purificarem os sentimentos confusos que estavam dentro de mim no momento. Finalmente, após algumas esquinas vazias, encontrei um taxista. Dei-lhe meu endereço e fui embora. 
    Antes mesmo de passar duas ruas, meu rosto se encharcava de lágrimas. Lágrimas cheias de dúvidas sobre os sentimentos verdadeiros de Daniel… Sentimentos estes que eu nunca vou conhecer.
    Contando uma Canção nasceu enquanto escutava exatamente a música que me inspirou no texto (Too close for comfort do McFLY). Imaginei uma história assim e, de repente, lá estava eu escrevendo-a com base na canção. Então pensei como seria legal ler histórias baseadas em músicas que os leitores curtem… E daí nasceu a tag!
    Para participar é fácil: 
    ♥ 1. Escolha uma canção qualquer. Ela pode ser internacional ou nacional e falar sobre qualquer assunto.
    ♥ 2. Poste em seu blog/Tumblr um conto ou crônica ou texto inspirado na música. Não é obrigatório, mas tente colocar um ou dois trechos da canção e seguir o que ela conta. Você pode acrescentar fatos, ocultar alguns… O importante é manter a essência. Ah, e o título não precisa ter o mesmo nome da música, viu?
    ♥ 3. No final do post, cole a frase: “Eu amo esta música (nome – intérprete) e me inspirei nela para a tag Contando uma Canção do blog Julie de Batom” (não esqueça de deixar o link). Substitua o que está entre os parênteses pelo nome da música e quem a interpreta. Por exemplo: Too close for comfort – McFLY.
    ♥ 4. Comente NESTE post com os seguintes dados: seu nome, o nome do seu texto e o link dele.
    ♥ 5. Serão escolhidos DOIS textos que serão postados no JDB, cada um em uma semana.

    Vale lembrar que a tag acontece a cada duas semanas. Ou seja: vocês podem enviar seus textos até 10 de novembro. 

    E vocês? Curtiram a novidade? Vão participar, né? Conta pra gente!
  • Conflitos de uma paixão: Prólogo

    Toda história possui um conflito. Sabe, isso acontece em qualquer lugar: livros, contos e, principalmente, vida real. Às vezes o conflito não se resolve. Por outras, sai do singular e entra no plural. E, claro… Mistura-se com outros e forma conflitos maiores. 
    Mas não há conflito mais complexo que uma paixão e suas consequências. Ela nos cega. Torna tudo estranho. Faz com que o mundo vire de cabeça para baixo. Ou, pelo menos, sentimos que é assim. 
    E quer saber? A vida é cheia de conflitos. Talvez porque, em uma metáfora totalmente idiota, a vida seja o conflito principal. 
    Conflito este que, deixo claro aqui, nem sempre precisa ser algo ruim. Apenas precisa sair do comum, do normal. E, cá entre nós… Qual vida consegue seguir um rumo fixo, pré-determinado e, na medida do possível, sem nenhuma anomalia?
    Da autora: Já faz algum tempo que estou escrevendo essa história. Depois de muito refletir se iria ou não postá-la aqui no blog, resolvi optar por sim. Creio que é algo bem diferente do que estou acostumada a escrever, mas mesmo assim, estou adorando. Já tenho vários capítulos prontos e pretendo postar dois por semana (um capítulo às quartas e outro aos sábados). Espero, do fundo do meu coração, que vocês curtam Conflitos de uma Paixão tanto quanto eu. Vejo vocês no primeiro capítulo! <3
  • A vida em foco

    Eu procurei por muito tempo. Vasculhei em todos os cantos. Meti-me por caminhos desconhecidos e me perdi tentando encontrar alguma coisa que fizesse tudo valer a pena. Dei muita razão para o amor e esqueci de aproveitar o que estava a minha volta.
    O tempo passou. Deixei o mundo me guiar e os sentimentos foram ao meu lado. Nas estradas que percorri, apenas consegui contemplar um borrão de várias cores que ficaram para trás sem ter nenhum sentido. Meus dias passaram a ser assim: desfocados. Como se eu tivesse perdido meus óculos há muito, muito tempo.
    Perdi a vida tentando encontrar um motivo para vivê-la. Deixei de ser feliz para encontrar a felicidade. Ou, pelo menos, o que achei que fosse a minha. Não aproveitei a tranquilidade das estradas e tampouco descansei da viagem sob uma árvore e sombra fresca. A vontade de terminar o caminho deixou-me por completo… Eu não queria mais chegar ao final. Agora a única coisa que importava era aproveitar os meios.
    Parei de procurar e comecei a me surpreender. Aprendi comigo mesma – e com todos os erros que cometi – a não criar expectativas. Aprendi a não achar que o amor estava nos lugares que pensei que estaria. Cansei de correr atrás dele. Comecei a esperá-lo e a deixar que, pelo menos uma vez, ele viesse atrás de mim. E com tudo isso (e mais umas feridas nos joelhos com tantos tombos) entendi que, quando as coisas aparecem ao acaso, elas são mais sinceras. E duram bem mais.
    Também passei a aproveitar cada minuto. Abandonei meus medos e preparei meus escudos. Passei a não me importar com as feridas. Pelo contrário: atribui uma história à cada uma delas sem me preocupar em curá-las. E sem me preocupar se eram machucados visíveis ou não.
    Tudo isso me ensinou que o tempo sempre estará certo e que, quando algo não é para acontecer, não adianta forçar. O destino sabe o que fazer com as escolhas que tomamos. É só depois de muitas lágrimas e muitos tombos que reconhecemos sua razão. E, consequentemente, é só depois de quebrar (muito) a cara que o tempo nos mostra do quanto ele nos livrou.
    E, assim, deixei de passar pela vida apenas com uma visão borrada dela. Ajustei meu foco, preparei meus sentidos, fiz as malas e saí por aí a procura de tudo o que perdi. Só que, desta vez, registrando tudo e sem deixar nada me escapar.
    Da autora: este texto foi escrito para o De Ponto em Conto, um blog criado por mim e mais três colegas da faculdade. A ideia é praticar tudo o que aprendemos em sala de aula. Então, vocês podem esperar por muitos contos, crônicas, textos e coisas do tipo. A equipe está bem diversificada e atende a todos os gostos. Espero que vocês passem por lá e confiram o que já postamos. Beijos, Julie <3
  • Nossas idas e voltas

    As vezes acho que nós nunca vamos dar certo, sabia?
    Lembro da primeira vez em que nos conhecemos. Você estava vestindo a camisa que, mais tarde, eu descobriria ser a de sempre. Eu estava usando minhas manias e meu batom favorito. Nós dois estávamos deslocados. Opa! Primeira coincidência.
    Desde então nós descobrimos outras. E com elas vieram as diferenças, também. Você curtia aquelas músicas que meu vizinho colocava no último volume. Eu odiava todas elas. Eu tinha um vício por livros. Você nunca se importou com eles. Você era o tipo perfeito de garoto que não liga pra nada. E eu vivia em uma montanha russa que não parava de mudar de altitude.
    E nem todos esses motivos eram capazes de evitar os beijos após as discussões. Era assim sempre. Eu gritava. Você tentava me acalmar. Eu ficava louca. Aí seus lábios encontravam os meus e eu nem lembrava mais o motivo de tantos palavrões.
    Nós poderíamos continuar assim, seguindo em frente e tentando dar certo. Mas às vezes sinto que temos mais motivos para ir do que para voltar. As voltas se tornaram menos frequentes que as idas. E amor não se resolve em um vai e vem. Ou vai. Ou vem.
    As nossas idas e vindas são improváveis. Eu vou. Você me puxa de volta. E nós nunca conseguimos entender o que, afinal, falta para nos levar em frente. Nós dois. Juntos. Assim como um só.
    Só que, a cada vez que retorno para seus braços, parece que meu coração se estufa e sente que nunca mais vai estar tão confortável assim. É como se eu não pudesse viver sem saber que sempre terei para onde voltar.
    É… As vezes acho que nós nunca vamos dar certo.

    Aí vem você e rouba de mim o que ninguém nunca conseguiu ter. Meu coração.
  • O bilhete na poltrona

    Era só mais um dia comum, cheio de tarefas a fazer e papéis a preencher. Cheguei às 6h40min, como sempre, e coloquei minhas coisas em meu armário. Procurei meu avental em minha bolsa e, enquanto o vestia, andei até o balcão.
    Após alguns minutos, ele chegou. Rafael sentou-se em sua poltrona favorita, onde sempre folheava algumas revistas enquanto esperava o tempo passar. Em alguns dias, me dava bom dia ou falava sobre o tempo. Incrível como isso me fazia sorrir, por mais bobo que fosse.
    Peguei alguns papéis e comecei a organizar os nomes dos professores em ordem alfabética. Felizmente, hoje faltariam alguns. Ou seja: trabalho a menos. Separei aqueles que tinham horários no dia e deixei-os em cima do balção. A folha de presença de Rafael era a terceira.
    O relógio marcou 7 horas da manhã e Rafael se levantou de sua poltrona e veio ao meu encontro. No mesmo momento, minhas pernas começaram a tremer e meu coração, a acelerar. 
    Ao invés pegar sua folha, Rafael apenas se apoiou no balcão. Tentei desviar o olhar e comecei a mexer no computador. Ele sorriu e perguntou:
    – Você sabe que não tenho aula agora, não sabe, Anna? 
    Suspirei ao ouvir sua voz dizer meu nome. Respirando fundo, levantei-me e fui até ele. Tentei manter uma conversa casual, o que foi quase impossível. O tom da minha voz não me deixava mentir.
    – Claro que não sei. – respondi, desviando meus olhos dos seus. – Não fico espiando seus horários.
    Sorri em sua direção e fui até o computador novamente. Rafael ainda continuou ali, parado.
    – Então acho que o jeito é esperar… – comentou.
    Prossegui com minhas tarefas, tentando deixar aquilo de lado. Ele estava estranho… Parecia que queria falar algo importante. Claro que era besteira minha. 
    Os minutos se passaram e segui trabalhando. Depois de terminar com os papéis, levantei-me para beber água. Estava tão perdida em pensamentos que não percebi quando Rafael me puxou, fazendo-me cair em seu colo.
    – Anna… – suspirou. – Eu preciso te falar uma coisa.
    – Diga. – respondi, sem ar. Nunca havíamos ficado tão perto. Não daquele jeito.
    – Eu… – hesitou. – Eu… Eu estou apaixonado por você.
    Demorei a digerir suas palavras. Lembrei de tudo o que havia escutado no dia anterior. Minha amiga deixara muito claro, não deixara? “O Rafael é um canalha, Anna. Ele é um galinha, dá em cima de todas”. Sua voz ainda ecoava em minha cabeça.
    – E você diz isso para quantas, Rafael? – bufei. – Está apaixonado por mim e quantas outras mais?
    – Só por você… 
    Levantei-me sem olhar para seu rosto. Não queria saber sua expressão e, além de tudo, não queria me iludir. Peguei meu copo de água e segui para a sala dos funcionários. Graças aos céus, Fernanda estava lá.
    – Anna… – abraçou-me. – O que houve? Você está pálida!
    – O Rafael, Fê! – respondi, contendo minhas lágrimas. – Ele disse que está apaixonado por mim.
    Fernanda ficou em silêncio por alguns segundos, pensando no que havia me dito no dia anterior, suponho. Estava claro que ele não queria nada sério. Não estava?
    – Anna, eu sei que eu te contei tudo aquilo e vi como você ficou mal. – e segurou minha mão enquanto completava. – Mas também sei que o Rafael está muito diferente. Eu vejo o jeito que ele olha para você todos os dias.
    – Mas…
    – Mas nada. – interrompeu-me. – Você mesma me disse que o amor pode mudar as pessoas. E o Rafael gosta de você. Deixe esse sentimento mudá-lo, Anna.
    Respirei fundo enquanto pensava no que acabara de ouvir. Eu queria tentar. Eu queria ir atrás dele e dizer o quanto o queria. Porém, tinha medo de sofrer. E Fernanda sabia disso tudo.
    – Anna… – disse, ainda acariciando minha mão. – Eu sei que você está amedrontada com tudo o que te contei. Só que se ele disse aquilo, é porque é verdade. Vá atrás dele, amiga. Sei que é o que você quer. – sorriu.
    Segui seu conselho e fui até a poltrona onde havia deixado Rafael sentado. Não o encontrei no lugar de sempre. Em cima do assento, apenas tinha um bilhete com meu nome na frente. Reconhecendo a letra, abri-o.
    Precisei ir embora, mas voltarei no fim do expediente para conversarmos. Com amor, Rafael.
    Ainda com a última frase em minha cabeça, tive a certeza que tomara a decisão certa. E se, por acaso, ela fosse me magoar no futuro, pelo menos teria tentado.
    Eu deixaria o amor me levar. Seja lá onde ele fosse me deixar.
  • Som da madrugada

    ‘Cause I need you right here by my side.‘Cause you’re everything I’m not in my life (…)You are so beautiful, it should be criminalYou should be mine.
    And if we make it out aliveI promise you that we will never die (…)
    So believe me when I say you’re the oneThey’ll never forgive us for the things we’ve doneNo way to justify, we got no alibi,We are alive, we’re on the run.Just put your hand in mine.It shouldn’t be a crime, what have we done?

  • O primeiro, o único e o último

    Na saída, me espere no corredor da A-410. Josh.
    Li a mensagem sem entendê-la. Se Josh precisava me encontrar, significava que queria dizer algo. E se era assim, por que não havia me falado antes?
    Afastando esse pensamento, tentei manter o foco na aula. Ao meu lado, Josh estava inquieto, olhando algumas cartas que, sinceramente, não fazia ideia sobre o que significavam. Apenas conseguia reconhecer uma especial. Aquela única que, há algumas semanas, havia esclarecido tudo entre nós. Pelo menos sobre mim e meus sentimentos.
    Dois de seus amigos vasculhavam a caixinha cheia de cartas. Tentei me desligar da aula e espiar, apenas para saber o que elas queriam dizer. Em uma delas, encontrava-se o nome de sua mãe. Outra, de sua irmã. Não consegui ler o conteúdo, mas o olhar triste de Josh ao relê-las era visível. Não sei se tanto para mim quanto para os dois ao seu lado.
    Percebi que enquanto Marcos e Alex – seus colegas – remexiam nas cartas, Josh guardou uma em especial – a minha. Mentalmente, agradeci-o por isso. Não queria ter que escutar piadas dos dois. E, pelo visto, Josh entendia essa vontade.
    Comecei a entrar em meus devaneios, fugindo daquela aula que, sinceramente, já não sabia sobre o que se tratava. Lembrei do dia em que escrevi aquelas palavras que agora estavam em seu bolso. Coloquei meu coração nelas. Minha alma. E elas só me serviram para uma conversa constrangedora com ele. Josh havia deixado muito claro que, entre nós, existia apenas uma amizade. Só isso e nada mais.
    A professora liberou a sala e percebi que Josh se demorou um pouco. Lembrando do SMS – ainda aberto em meu celular – fui na frente e cheguei até o corredor indicado. Sentei-me em um dos degraus da escada e, após dois ou três minutos, vi alguém se aproximando. Era ele.
    – Sempre passei por aqui e nunca percebi como esse corredor era mais largo que os outros. – comentou.
    Josh estendeu sua mão e eu a segurei. Levantei-me e fiquei diante dele, esperando o que tinha de tão importante para dizer. Seja lá o que fosse, não poderia ser tão sério. Ou poderia?
    – Sue, a gente precisa conversar. 
    – Eu sei que precisamos. Seu SMS foi bem objetivo… Aconteceu alguma coisa?
    Josh ficou em silêncio. Enquanto ele lutava com seus sentimentos, eu tentava entender os meus. Ele sabia sobre eles. Pelo menos, eu havia deixado todos claros em minha carta. Tentei lutar contra os pensamentos que apareciam – principalmente aquela voz no fundo que gritava loucamente que, afinal, ele havia mudado de ideia. Ou entendido seu coração.
    – Eu estou indo embora, Sue.
    – Então, vamos. Você quer me falar no caminho? Posso ir com você até a avenida!
    Tentei seguir o caminho e, antes mesmo de completar meu segundo passo, ele me impediu de continuar. Josh olhava fixamente em meus olhos enquanto falava. Essa era uma de suas características mais marcantes: ser forte em qualquer momento.
    – Não é ir embora hoje. Pra sempre…
    – Como assim?
    Demorei para entender. Minhas lágrimas queriam sair e foi com dificuldade que consegui contê-las. Meu coração não era tão fácil de ser controlado: ele já estava a mil por hora. Se não fosse o ruído do corredor – vindo de salas mais adiante – seria fácil escutá-lo.
    – Meus pais decidiram ir embora. Não está dando mais para viver por aqui, entende? A família está toda desestruturada, com seus pedaços soltos por aí. Minha mãe tem pesadelos com minha irmã todos os dias. Já a peguei chorando e se lamentando na cozinha com Nancy, uma de suas ajudantes. Meu pai percebeu isso e resolveu que era hora de reunir todo mundo e começar a vida em um lugar só. E resolveram recomeçar na cidade onde minha irmã faz faculdade… Ela está no terceiro ano, já. É mais fácil pra todos.
    Josh terminou suas explicações mas, mesmo assim, ainda esperei por mais. Ansiava pela parte em que ele diria que era brincadeira. Ela não chegou. Com todas as forças que consegui reunir, minha voz saiu como um sussurro. Precisei tossir algumas vezes para conseguir pronunciar as palavras corretamente.
    – Você não vai voltar? Quer dizer… Nunca mais?
    – Provavelmente, não. 
    O choque de realidade me pegou desprevenida. Senti como se estivesse em um lugar quente e, de repente, numa sala fria. A mudança de temperatura – de sentimentos – foi o bastante para mim.
    Isso não poderia estar acontecendo. Era um pesadelo e eu devia acordar logo. Mãe, me chama. Diga que estou atrasada. Qualquer coisa… Apenas me acorde.
    Fiquei alguns minutos pensando no que acabara de escutar. Josh esperou, pacientemente, por alguma reação. Ela tardou e ele resolveu quebrar o silêncio, tentar suavizá-lo.
    – Ninguém sabe sobre isso, Sue. Mas achei que deveria te contar… A primeira e única a conhecer isso. Você é a única pessoa que realmente me importo aqui. Já te falei sobre tudo isso e volto a repetir: você é a amiga que nunca tive e, provavelmente, nunca terei. 
    – E você vai assim? – disse, ignorando tudo o que sua voz jogava para mim. Ele iria embora… E era minha última chance de fazer esses oito meses valerem algo. Eu tinha que arriscar. Aliás, deveria arriscar. Deveria ter feito isso antes, mesmo após a carta. Era o certo… Agir. Tomar a iniciativa. Não somente com as palavras que sofri para escrever, mas com atitudes.
    – Assim? – seu rosto era um mix de confusão e tentativa de permanecer no foco da conversa. – Assim como, Sue?
    – Sem dar uma chance para nós.
    O silêncio foi confortante. Enquanto pensava no que acabara de dizer, Josh se aproximou de mim. O que era para ser um abraço, acabou se tornando outra coisa. Seus braços envolveram minha cintura e deixei que ele aproximasse meu corpo do seu. 
    – Pensei que não tivesse restado nada de mim em você. – desabafou. – Pensei que teria que ir embora sem sentir algumas sensações que iriam tomar meus pensamentos por algum tempo.
    – Que sensações?
    E, apertando-me mais contra seu corpo, Josh me beijou. Aquele foi o nosso primeiro beijo. O mais doce e o mais amargo. O primeiro, o único e o último.
    Conto inspirado em um sonho.