Tag: crônicas

  • Aquele texto sobre nós

    Nós nos encontramos na praça de sempre, com o mesmo sorriso e a mesma mania de achar que ele era suficiente. Aproveitamos o fim da tarde, o aparecimento da lua e as primeiras estrelas. Aos poucos, deixamos o tempo nos levar e ele, finalmente, nos levou.
    Você foi comigo até o táxi mais próximo e, com um beijo rápido, se despediu. O sorriso ainda era o mesmo. O corte de cabelo, quase. Sorri involuntariamente e deixei seu perfume preencher meu cérebro. O motorista perguntou o destino e, antes que eu pudesse responder, você falou a rua, o número da casa e o bairro. Informações que eu poderia jurar que você nem lembrava mais.
    Começou a viagem de volta, aquela que seria mais cheia de lembranças do que sinais vermelhos. Passei pela praça que guardava nossa primeira conversa e pela esquina que você me cumprimentou pela primeira vez. Poderia até imaginar nosso primeiro beijo na rua daquela padaria que você gostava. Nós nunca entramos lá para saber se os bolos eram tão gostosos quanto o cheiro. Acho que eu poderia colocar isso na listinha de coisas que devemos fazer, né?
    Passei por ruas, esquinas e praças que faziam parte da nossa história. Cada um tinha um nome diferente – talvez sempre relacionados com políticos ou, sei lá, estados – mas, para mim, cada um tinha um momento diferente. O que marcava aquela esquina, aquela padaria ou aquela árvore não eram nomes. Eram lembranças. Beijos. Abraços. Sorrisos. Lágrimas. Nós.
    Cada pedaço da gente estava no caminho de volta. Pedi ao motorista para abrir a janela e aproveitei a brisa nos meus cabelos. Nesta altura do dia, nem me importava se ele fosse bagunçar ou não. Eu só queria chegar em casa.
    Desci do táxi, paguei a viagem e entrei em casa. Tudo escuro. É claro. 
    Depois de alguns minutos procurando a chave (Droga! Eu poderia jurar que estava embaixo do tapete…), abri a porta e o ar quente me encontrou. Joguei a bolsa no sofá, o casaco na cama e eu, na cadeira do computador.
    Sinal verde ao lado do seu nome. 
    Você estava louco para encontrar um wi-fi para entrar no Instagram postar a foto dos nossos sorvetes. E eu estava louca para saber se você tinha lido meu último texto. Vasculhei todos os comentários a procura do seu, de um anônimo ou alguém que eu pudesse dizer “é ele”. E você, colocou uma foto no Instagram. Não de sorvetes. A nossa.
    Você não me procurou e eu não me preocupei em te chamar. O sinal verde ao lado do seu nome sumiu e deixei o computador ligado enquanto tomava um banho. Quando voltei, tinha um SMS não lido. Era seu.
    Esqueci de dizer que adorei seu último texto. Aquele sobre nós (é, eu sei que é sobre nós). Aliás… Você sabe nos descrever melhor que ninguém. Espero continuar sendo sua inspiração. 

    Segurei o celular como se, assim, pudesse sentir cada palavra. Sorri involuntariamente. E, antes de cair no sono – sem tirar a maquiagem -, lembrei do nosso dia. Das nossas risadas. Dos nossos momentos. Da nossa praça. Dos nossos lugares. Da gente.

    OBS: Texto inspirado em um casal que vi hoje em uma praça. 

  • Fila do banco

    Nós nos encontramos na fila do banco aquele dia. Eu usava aquele tênis surrado de sempre. Você, uma camisa que te presenteei. Eu poderia reconhecê-la de longe. Fiquei semanas juntando o troco do lanche da escola só para comprá-la para você. Lembra?
    Tentei desviar mas você sentiu meu perfume. Não era por menos: foi você mesmo que me deu num aniversário há alguns anos. Eu nunca parei de usá-lo, sabia? Virou meu aroma. E, pelo visto, você não o esqueceu.
    – Você por aqui, Camy?
    Sorri sem graça. Não sabia o que dizer e não esperava sentir as borboletas no estômago. Meu coração já não tinha se acostumado ao vazio? Pensei que sim.
    – É… – hesitei. – Minha mãe pediu para pagar umas contas.
    Mordi a língua e tentei não falar mais nada. Queria perguntar se você ainda lembrava das manias dela. Ou das minhas. Sacudi a cabeça, tentando me livrar dos pensamentos que agora emergiam.
    Já estava ali e não poderia escapar. Fiquei atrás de você na fila, apenas esperando que o caixa fosse rápido o bastante para me livrar de tudo aquilo. Eu fugiria dali se a conta não estivesse atrasada há três dias. Minha mãe iria me matar se o preço aumentasse. 
    Mas quase valia a pena pagar alguns reais a mais só para me livrar de você. Eu poderia deixar a covardia me levar. Só que, lá no fundo, eu sabia que ela, literalmente, me custaria caro.
    A fila diminui e o silêncio aumentou. Seu perfume estava me entorpecendo e tentei não fixar minha mente nisso. Para passar o tempo, comecei a olhar outras filas. Outros rostos. Tentei sentir outros perfumes também e reparar nos garotos que usavam camisa xadrez. Não deu certo. 
    O único que atraía meus olhos não estava vestindo minha estampa favorita. Ao contrário. Usava uma camiseta verde, a cor que eu mais odiava no mundo. Lembro que, quando você abriu o pacote e deu de cara com ela, riu da minha expressão de nojo. Sorri com a lembrança. Você também vestia uma bermuda folgada, do tipo que meu pai nunca aprovaria.
    Olhei para a frente. Você estava no caixa, separando uns trocados e tirando a carteira do bolso. Tentei espionar para saber se você ainda guardava aquela fitinha da cidade de Aparecida. Lembra o quanto gostava dela?
    Suspirei. Você terminou suas obrigações e, com um sorriso, acenou para mim. Sorri em resposta e dei um passo para o atendente enquanto meu coração não conseguia se acalmar.
  • Hiatus de fim de ano

    Hoje foi um daqueles dias típicos de fim de ano. Organizei o quarto. Limpei a bagunça. Tirei o pó que estava embaixo da cama e encontrei aquelas coisas que a gente só encontra quando não precisa. Dei um fim na sujeira do quarto, do computador e da memória do celular. E por último: do coração.
    São nesses últimos dias do ano que eu me fecho para balanço. Coloco os prós e os contras dos doze meses que se passaram e separo tudo aquilo que vou deixar em 2012 e o que vou aprimorar em 2013. É nesta etapa do ano que esqueço as dores e dou prioridade às alegrias. É, também, nesta época do ano que deixo as lembranças tomarem conta. Não por saudade. Mas para ter certeza de que outros anos virão e elas vão permanecer em algum lugar de mim.
    A gente tem aquela mania de acreditar na frase “ano novo, vida nova”. Sabe, besteira. Como vi em alguma propaganda na TV, não é o último segundo do ano que deve definir o que vamos ser. Não é às 23h59min do dia 31 de dezembro que vamos escolher que personagem nós iremos dar vida nos próximos 365 dias. Essa escolha tem que ser feita a partir de agora. Neste segundo. Neste minuto. 
    Não é 2013 que vai mudar as perspectivas, nem os sonhos e nem as esperanças. A gente tem que parar de deixar pra amanhã – ou para o ano que vem – as mudanças que não temos coragem de enfrentar agora. Temos é que parar de sentir aquele frio na barriga ao usar nosso batom favorito. Ou aquela roupa que era tendência há um ano. Temos é que desistir do medo e, acima de tudo, deixar lá embaixo do baú tudo o que falam e pensam sobre nós. E aí, trancar com uma chave e jogá-la fora.
    Agora, para esses últimos dias de 2012, estou trancada. De tudo. Sentimentos, novidades e qualquer coisa que resolvi deixar para trás. Deixei alguns amores, poucos medos e mínimas dores em 2012. E ele pode aprisionar tudo isso. Para os próximos doze meses… Bom, ainda não sei bem o que quero. Mas, seja lá o que for, já preparo desde agora. E o resto, o resto eu decido assim que estiver pronta para sair do hiatus e encontrar o mundo. A realidade. E eu mesma.
  • Mais um capítulo do nosso romance

    Nós dirigimos sem parar e sem destino até chegar em um campo aberto no meio do nada. A brisa suave bagunçou meus cabelos em sinal de boas vindas enquanto você entrelaçava nossos dedos e bagunçava minha respiração.
    Deixei-me ser guiada por você e não me importei onde tudo aquilo iria parar. Nós dois seguimos até o fim do campo verde e, a cada chegada, era como se estivéssemos percorrendo o infinito. Nossos pés descalços não se cansavam de andar e correr pela grama seca sob o sol que se destacava entre as nuvens.
    Senti como se nós dois estivéssemos caminhando entre elas. A grama abaixo de nós era como um algodão bem fofo – assim como o que as nuvens pareciam ser agora. Deixei que você seguisse até onde considerava o certo. E lá fomos nós pairar abaixo de uma árvore que, se eu não soubesse que era impossível, diria que estava a apenas um passo do céu.
    Você deixou o momento falar por si e, novamente, senti a capacidade de poder tocar as nuvens tão improvavelmente perto de nós. Seu rosto fixou-se no nada e o nada tornou-se tudo para mim. A nossa volta, enquanto contemplávamos o infinito, a brisa suave trazia as folhas que o outono deixou por aí. 
    Sua mão encontrou a minha e não demorou muito para meus lábios caminharem até os seus. As borboletas (no estômago e fora dele) completaram a cena e trouxeram uma beleza encantadora e quase perfeita. Se fosse eterno, eu poderia acabar com o quase da frase anterior.
    Seus lábios deixaram os meus e tocaram minhas mãos. No céu, o sol dava lugar à lua e as estrelas começavam a se formar. Você respirou fundo e disse algumas palavras adequadas ao momento. Beijou-me mais algumas centenas de vezes e me guiou no caminho de volta para o carro na outra ponta do campo. Novamente, deixei que me levasse por suas mãos sem me preocupar com o caminho nem com as pedras agora invisíveis sob a escuridão.
    Deixamos o verde para percorrer o cinza e corremos contra o tempo. Não que ele fosse importante, afinal nenhuma rotina poderia finalizar os momentos que vivemos enquanto quase tocávamos o céu. Corremos pelo asfalto apenas para sentir a brisa – agora gelada e agressiva – bagunçar nossos cabelos. Deixamos que algumas folhas batessem no pára-brisa e não nos importamos de tirá-las de lá quando abandonamos o carro na calçada. Antes de voltar para o volante, você selou com um beijo mais um capítulo do nosso romance. E eu joguei-me na cama apenas esperando o próximo. E o próximo e o próximo e o próximo…
  • Um dia fora da rotina, um caminho diferente e um cobertor surrado

    O dia já estava acordado há muito mais tempo que eu. Levantei-me da cama e deixei o cobertor jogado de qualquer jeito. Não importava se meu pai iria implicar comigo depois. 
    Coloquei uma roupa qualquer, peguei a bolsa em cima da cadeira e saí sem comer nada. Já tinha decidido que o dia iria ser diferente e ninguém poderia mudar isso. 
    Modifiquei o percurso de casa para o trabalho. Peguei um ônibus diferente daquele de todo dia. Na verdade, precisei pegar dois… E cheguei bem atrasada por isso.
    Recebi uma bronca do meu chefe e segui com minhas tarefas. Antes de começar a preencher aquela papelada super chata, fui até a sala onde ficavam algumas tralhas do escritório e peguei a cadeira com forro verde. Ninguém gostava dela por ser diferente das demais. Para mim, isso é o que a tornava tão especial.
    Peguei meu espelho na bolsa e encontrei meu batom vermelho bem no fundo. Abri-o, passei em meus lábios e conferi o resultado. Ótimo.
    Prossegui com o resto dos papéis e resolvi mudar minha rotina outra vez. Baguncei tudo e tirei da ordem. Quem se importava se eu fosse começar pelos arquivos da semana passada ou do dia anterior? Eles seriam feitos de qualquer forma. Mas me senti especial por isso. Dane-se.
    Abri a gaveta a procura de uma caneta e encontrei uma tiara há muito tempo abandonada ali. Ela era bem colorida e deve ter pertencido a uma prima mais nova. Lembro que a usei um dia para vir ao trabalho, mas acabei tirando-a por receber muitos olhares tortos. Com um sorriso no rosto, coloquei-a sobre meus cabelos.
    Meu expediente continuou assim, com tudo fora da rotina. Visitei as mesas dos meus colegas de trabalho, sempre com um sorriso de lábios vermelhos. A cada visita, entregava-lhes um papel diferente. As vezes, correspondia ao dia anterior. Outros, ao mês passado. Eles olhavam perplexos para as datas e depois voltavam às suas tarefas. Ou, na pior das hipóteses, chegavam à minha mesa com uma dezena de palavrões e blá blá blá.
    Saí do 9º andar e desci pelas escadas. Esbarrei em pessoas que nunca tinha visto em todos os 12 anos que trabalhava ali. Cada vez que encontrava um rosto novo, dava um sorriso. Recebi uns 2 em troca. 
    Na volta para casa, fui andando. Eu morava depois de umas cinco quadras. Parece muito… Mas hoje estava tudo estranho, então fui sem reclamar. Antes mesmo de chegar, parei em umas duas padarias (que não conhecia) e comprei cupcakes e sorvete de pistache. Duas coisas que eu nunca tinha experimentado.
    À noite, liguei a TV em um canal qualquer de filmes. Terminei meu dia com uma história de comédia romântica. Depois entrei no quarto, peguei o cobertor e guardei-o no armário. Lá dentro, no fundo, encontrei um outro surrado, antigo e vermelho. 
    Deitei na cama e me embrulhei com o cobertor que usava há uns 5 anos. Senti-me mais confortável que nunca, do mesmo jeito que me senti ao mudar minha rotina e aplicar à ela coisas que sempre quis fazer e usar. No fundo, eu sabia que aquele dia não tinha nada demais. Também sabia que ele nunca iria se repetir… Mas também sabia que, antes mesmo de cair no sono, eu devia registrá-lo. Assim, lá no futuro, quem sabe eu posso encontrar esse texto bobo e fazer uso dele, novamente, como faço agora do meu antigo cobertor. 
  • O lado bom de ser criança

    Todas as fases da vida são marcadas por momentos bons e ruins. É normal né? Mas, sabe… É incrível como a infância consegue ter mais lembranças boas do que qualquer outro período da vida!
    Lembro que, nesta época do ano, eu já estava ansiosa para ganhar uma nova filha. Ficava o mês inteiro pensando em qual boneca da TV eu iria pedir. E, no final, acabava – quase sempre – optando por outra coisa.
    Isso sem contar os momentos que eu passei com os amigos. Seja jogando queimada, seja se escondendo ou até espalhando brinquedos pelo quarto. É impressionante como, em apenas alguns minutos, a gente viajava para outra realidade. Às vezes, eu era a madame da casa. Outras, a irmã boazinha. Minhas amigas e eu nunca éramos nós… E sim quem queríamos ser, sem preconceitos nem medos.
    E ainda tem aquela inocência. Sabe, às vezes sinto falta dela e do lado criança. Sinto que as pessoas, hoje em dia, precisam disso. Estamos tão preocupados em chegar à escola no horário certo, pagar as contas no fim do mês e querer ser quem não somos. E, com tudo isso, deixamos de lado o que devia ser o mais importante: a felicidade e o prazer de viver.
    Então, neste dia 12 de outubro, não comemore apenas com uma foto de alguns anos atrás no perfil no Facebook. Receber curtidas e comentários é legal. Compartilhar seu rostinho fofo – que mudou (ou não) – também é. Porém, antes de tudo, use esse dia para relembrar o que ficou para trás e você sente falta. Alguns momentos da vida não voltam… Mas isso não significa que não podemos trazer para nosso dia-a-dia algumas sensações e características que são marcas dessa etapa (tão linda!) da nossa vida.
    Então… Vamos reencontrar esse lado criança e atribuí-lo ao nosso modo de viver e de enxergar o que está ao nosso redor?
    Este texto foi escrito para o grupo Depois dos Quinze no Facebook por ideia da Natalia Gonçalves. Postei lá no grupo e tive que trazer para cá, pois curti muito o resultado. Ah… E sim! A bebê da foto sou eu hahahaha.
  • O que o iTunes não pode oferecer

    O dia 12 de outubro está quase aí e as lojas começam a ficar quase tão bonitas quanto Natal e Páscoa. Os objetos de sempre saem da vitrine e dão lugar a bonecas, laptop, CDs infantis e cores, muitas cores. 
    Só que outro dia, enquanto conversava com a minha mãe, percebi como são as crianças de hoje em dia. Atualmente, as garotinhas não ficam o mês todo esperando a mãe receber para comprar aquela Barbie legal. Ou, no caso dos meninos, aqueles postos cheio de bugigangas que eu nunca consegui entender. Ganhar a casa da Barbie não significa mais nada. E olha que, entre tantos outros sonhos, esse foi um dos que ficaram para trás. E só na vontade.
    Lembro que ganhei meu primeiro celular aos 10 anos e que, se eu não fosse estudar em uma escola longe de casa, teria sido bem depois. Ainda consigo ver minha avó indo na Pernambucanas e comprando um modelo bem antigo da Kyocera. Só fui saber que era meu depois que saímos da loja.
    Hoje, garotas mal entram na terceira série e já tem os “ai” da vida. É iPhone, iPad, iPod… E aí me pergunto: onde fica aquela magia que é a infância? Onde fica aquela ansiedade pela chegada do dia das crianças só pra ir na Ri Happy escolher quem vai ser sua nova “filha”? E aquela pseudo-liberdade de encontrar os amigos na rua – com as mães na porta de casa – e brincar de pega-pega, esconde-esconde ou qualquer outra brincadeira enquanto as mães conversam sobre os vizinhos e a novela das 9?
    Então descubro como eu era realmente feliz e não sabia. Enquanto na minha infância eu fiz amigos, as crianças de hoje só sabem criar – e destruir – amizades no Facebook. Enquanto eu ia para a escola só pra brincar na Educação Física, as crianças de hoje só se preocupam em chegar na sala e mostrar o novo aplicativo do iPhone.
    Sinto falta dos parquinhos lotados na praça do meu bairro. Sinto falta de ver crianças se sujando de lama no meio da rua. Sinto falta de ver a banca cheia de revistas de uma novela mexicana infantil. Sinto falta de ver o corredor de brinquedos das Casas Bahia cheio de crianças, e não o balcão de celulares e câmeras legais. Sinto falta de ver a nova geração puxando a saia da mãe porque quer colo, e não porque quer entrar na internet pelo celular.
    Acho que a verdade é que, quanto mais cresço, mais dou importância a momentos que, hoje em dia, não voltam mais. A infância que tive não vai voltar. As garotinhas de 10 anos não vão saber como é legal espalhar os brinquedos e as Pollys pelo quarto e depois ver seus pais arrumarem enquanto você foge pra casa da amiguinha. Os garotinhos não vão se sentir mais mecânicos que sabem tudo sobre carros. Os “pirralhos” não vão sentir mais aquela sensação de inocência, de fazer algo porque sente que é a hora e não porque a coleguinha já fez… A menos que, para tudo isso, exista um novo app super cool no iTunes. Porque, cá entre nós, até os adultos estão mais preocupados com a web do que com o sentido real da palavra “vida”.

    Esse texto faz parte da blogagem coletiva promovida no Depois dos Quinze.

  • Entrelinhas: Felicidade sem ilha deserta

    Eu estava num bar, sozinho. Uma garota se aproximou, cheia de patrocínios na camiseta, e me deu o convite para uma festa, dizendo: “Cara, essa balada vai mudar a sua vida.” Pensei um pouco com meus botões e respondi: “Então eu não vou. Não quero que a minha vida mude.” Ela não entendeu, achou que eu estava tirando sarro da cara dela e saiu distribuindo seus convites festivo-revolucionários entre as outras mesas.
    Se ela quisesse ouvir, eu diria que estou feliz com a minha vida: namoro a garota que eu amo, trabalho com o que mais gosto, moro numa casa com churrasqueira e não tenho nenhuma doença. Claro, nem tudo é maravilhoso, mas somando as minhas angústias com as minhas conquistas, minhas topadas de dedinho do pé no batente da porta com meus primeiros goles de chope gelado, minhas horas no trânsito com minhas horas na praia, e tirando a média, acho que sou feliz. Não sou bobo de achar que é mérito só meu a minha felicidade. Tive tudo  a meu favor: pais maravilhosos, comida boa, escola liberal, livrinhos, filminhos e disquinhos coloridos, a bola oficial de cada copa e, quando mesmo com tudo isso percebi que não estava contente, meus pais me levaram a uma psicóloga para me ajudar com as minhas angústias. 
    A felicidade é uma conquista difícil. Difícil, mas não impossível, nem tão distante da nossa realidade. O pensamento que deu origem à frase da garota me parece ser o seguinte: a felicidade é o oposto do que vivemos. Isso se expressa bem naquela ideia que temos do cara que ganha na loteria, larga TUDO e vai para uma ilha deserta ser feliz. Que horror! Se para ser feliz é preciso largar TUDO, então NADA do que fazemos é legal?! Será que nossas vidas são mesmo esse desastre? Acho que não. Claro, acho que nem todo mundo é feliz. Mas não acho que para eles serem teriam que largar TUDO e mudar completamente.
    Acho que a felicidade está muito mais em conseguirmos ser felizes do jeito que somos do que em mudar o nosso jeito. Não estou dizendo: contente-se com um prato de feijão com farinha por dia, pobre criatura, não reclame e tente ser feliz. Acho que a gente tem que ter uma busca de mão dupla: ao mesmo tempo em que tentamos mudar o que achamos estar errado (em nós e no mundo), temos que tentar nos adequar a quem somos e ao que temos.
    Só seremos felizes se estivermos contentes. Parece uma frase idiota, mas não é. Você já parou para pensar na palavra contente? Vem do verbo conter. Seremos felizes se nossa realidade for capaz de conter os nossos desejos. Se nossos anseios forem muito maiores que nossas possibilidades, estamos fritos. Não podemos entrar nessa de filminho bobo de Hollywood, em que basta querer muito que nossos sonhos se realizam. Mentira! Sermos milionários, dez centímetros mais altos ou viver sem termos que trabalhar não está ao nosso alcance. Ser feliz, sim, está.
    Quem escreveu esse texto?
    Antonio Prata é escritor. Nasceu em São Paulo em 1977. Publicou alguns livros de contos e crônicas, entre eles “Meio Intelectual, Meio de Esquerda” e “Estive pensando” (livro que se encontra a crônica “Felicidade sem ilha deserta), e escreve no caderno “Cotidiano” da Folha às quartas-feiras. Para conhecer mais sobre o autor, visite seu blog.