Tag: vida

  • Tudo o que não entendo

    Aproxime-me. Eu não tenho nenhuma doença contagiosa. Pelo contrário… Meu problema é aqui dentro. Meu problema é meu coração.
    Faz tempo que ele não bate direito. Já faz muito tempo que ninguém se importa com ele, tampouco. Parece que estou jogada pelo mundo, sem ninguém para estar ao meu lado quando eu acordar. Sinto que estou perdida, desolada, abandonada.
    Sinto falta daqueles tempos onde aqui dentro não tinha um vazio. Aliás, sinto falta de sentir qualquer coisa. Há muito tempo que estou sendo tratada como um nada. Há muito tempo que não escuto minha própria voz. Ninguém se preocupa de conferir se, por acaso, eu ainda a possuo.
    Tenho medo de não ter ninguém para secar minhas lágrimas quando houver dor. Tenho medo de ir embora e ninguém se preocupar. Tenho medo de não ter ninguém para segurar minha mão quando ela cair da maca. Tenho medo de ser só mais um corpo que não faz falta pelas ruas.
    Eu só quero entender os motivos de estar assim. Quero entender quais foram meus erros e se, por acaso, eu os cometi. Sei que tenho defeitos e sei que não sou perfeita… Mas também sei que não fiz nada para merecer a solidão.
    Só peço um pouco de compreensão. Os anos já ficaram para trás e eles não são poucos. Antes de me julgar, tente olhar para trás e ver o que fiz de tão mal. Tenho certeza que não há nada.
    Apenas não me deixe sozinha aqui, deitada numa cama qualquer e cercada por essas paredes nada aconchegantes. Não quero ficar aqui apenas tendo rostos desconhecidos como família. Quero a minha verdadeira. Quero sentir o carinho que emana dela. 
    Ou, pelo menos, sentir que sou querida e amada ao invés ser um peso.
  • Conflitos de uma paixão: Capítulo 5

    Confira os capítulos anteriores.

    Cheguei em casa antes das 14h. Entrei na cozinha, comi algumas besteiras e fui até o escritório dar continuidade a história que estava escrevendo. 
    Minha vida se resumia a isso: trabalho voluntário na biblioteca da cidade, cuidar de Rupert e escrever. Depois de ter meu filho, fui obrigada a deixar minha carreira em Letras e viver só para ele. Porém, como não queria ficar com tempo ocioso nem depender 100% da família de Matthew, comecei a fazer alguns trabalhos como freelancer e a ler para as crianças no cantinho de leitura da biblioteca. 
    Os livros que eu precisava ajudar na edição já estavam prontos. Critiquei-me por ser tão rápida. Agora não havia nada mais a ser feito. 
    Liguei o computador e procurei minha pasta de textos. Enquanto buscava o documento da história que escrevia, achei um arquivo com o nome semnome-hahaha.doc. Eu tinha essa mania de nomear os textos com nomes diferentes. 
    Abri o tal documento e comecei a ler. Era um texto meu: 
    Viver é nosso maior dom. Viver é o que temos de melhor. E, por isso, não podemos deixar de lado nossa vida e viver a de outros. 

    Quando criança, sonhamos em ser tudo. São sonhos que, talvez, nunca vão se realizar. E sabe por quê? Por medo. Por receio. Por vergonha. Porque ao crescer perdemos aquela magia da infância. Perdemos aquela inocência e vontade de conseguir tudo. 

    Ironicamente, é justo quando perdemos tudo isso que precisamos ainda mais. Nós temos que almejar sempre. Temos que querer, antes de qualquer coisa, a felicidade. Temos que viver por nós. Apenas para nós. 

    E também temos que deixar de idealizar. Devemos aceitar que a vida é assim, com todas suas qualidades e seus defeitos, e fazer o melhor com o que temos em mão. 

    Por isso, corra atrás. Desista de tudo se for possível. Jogue para cima o que incomoda e te afasta de ser feliz. Desapegue das coisas que te atrasam e te impedem de seguir adiante. Há um caminho esperando por você. E caminhos são feitos para serem percorridos. 

    E quando chegar ao final da estrada, você vai ver que valeu a pena. Também vai perceber que, mesmo com as pedras e os buracos, o caminho é maravilhoso. E tão maravilhosa é a vida.” 
    Terminei de ler o texto com umas duas lágrimas no rosto. O texto, em si, já me faria chorar. Mas, lembrar que a dona daquelas palavras era eu foi o fim. 
    Eu nunca imaginei que seria tão controversa. Que, algum dia, iria ser contra tudo o que eu mesma escrevi. 
    Por outro lado, nunca imaginei que minhas palavras seriam meu combustível para tentar. 
    Refleti sobre o que, hoje, significava felicidade para mim. Duas pessoas vieram em minha mente: Rupert e, para minha surpresa, Matt. Apesar de tudo, eu o amava. Apesar de nossa relação forçada e desgastada, eu o desejava. Nós nunca tínhamos nos tocado e nossos lábios não se conheciam. Mas eu o sentia a cada noite. Podia sentir sua respiração perto de mim. 
    E foi com lágrimas e um sorriso no rosto que deixei o escritório. Hoje seria o dia em que começaria a tentar. Não custava nada… 
    Eu queria Matt mais que tudo. Queria ele como um marido. E não só no papel.
  • Conflitos de uma paixão: capítulo 4

    – Bom dia, Mandy! 
    – Bom dia, Stuart! 
    Cheguei à biblioteca 30 minutos antes do horário marcado. Stuart estava separando alguns livros antes de levá-los às estantes. Juntei-me a ele, ajudando-o em sua tarefa. 
    – Você sabe que não precisa fazer nada disso, Amanda! – disse, pegando um livro de minha mão. – Sua tarefa aqui é ler para as crianças. E só! 
    – Desculpa, senhor corretinho! – sorri. – Sou voluntária aqui e posso ajudar no que eu quiser. – peguei o livro de sua mão e o coloquei na prateleira. – Aliás, falando em trabalho voluntário… A Regina não está hoje aqui, não é? 
    – Acho que não, Mandy. – respondeu enquanto pegava outra pilha de livros para guardar. – Aliás, parece que ela deixou a biblioteca, sabia? 
    – Sério? – perguntei, sabendo a resposta. Regina nunca tinha gostado de ler para as crianças. Ela só estava ali para tentar algo com Stuart. 
    – Sério! – ele respondeu. – Falaram que ela conseguiu um estágio e não conseguiu conciliar os horários. 
    – Stuart, nós dois sabemos porque ela largou a biblioteca! 
    – Por quê? – perguntou. Peguei mais três livros e coloquei-os na prateleira correspondente à inicial do autor. 
    – Você sabe… Vocês dois… – hesitei. – Ela estava tentando algo com você há meses, Stuart! – respirei fundo e continuei. – Você e eu sabemos o que ela sente por você. 
    – Mas eu não sinto nada, Mandy. – respondeu, constrangido. – Você sabe por quem eu sinto essas coisas. 
    Felizmente, antes que eu ficasse desconcertada com o comentário de Stuart, a bibliotecária chegou e veio me dar bom dia. Aproveitei a oportunidade e fui com Martha até seu escritório para acertar os horários da próxima semana. 
    Subi até o espaço de leitura e escolhi o livro que iria ler para as crianças hoje. Como sempre acontecia em dias em que eu estava para baixo, peguei O pequeno príncipe na estante infantil. Esse era, sem dúvidas, o meu favorito. 
    As crianças chegaram e foram sentando pela sala. Os pais as levaram até o cantinho de leitura e desceram para ver outros livros e conferir lançamentos. 
    Assim que todos estavam sentados, iniciei mais uma leitura. 
    – Bom dia, crianças! – disse. – Hoje eu vou ler O pequeno príncipe. Ele foi escrito por Antoine De Saint-Exupery. Vamos começar? 
    Enquanto lia as palavras que tanto me faziam bem, meus ouvintes não tiravam os olhos de mim. Em alguns minutos, a sala ficou em um silêncio total. 
    Martha chegou, anunciando o término da leitura. Marquei a página que parei e avisei às crianças quando seria nosso próximo encontro para a continuação do livro. Elas foram ao encontro de seus pais e eu fiquei algum tempo na sala. 
    Estava no meu local favorito: o cantinho de leitura. Lá, rodeada por palavras, conseguia pensar melhor em minha vida. Ou, pelo menos, o que restou dela. 
    Matt e eu parecíamos dois estranhos. O que era uma amizade virou um casamento fracassado. E o que eu sentia – aquela paixão lá no fundo – virou sabe-se lá o quê. 
    Eu sentia falta dos meus anos de faculdade. Sentia falta do abraço quente de Matthew e das tardes que passávamos juntos. Sentia falta dos intervalos com música, onde o violão nos acompanhava. Sentia falta da nossa sintonia intensa, dos nossos olhares brilhando e dos nossos momentos que, agora, não passavam de lembranças. 
    Lembranças que, se eu não as tivesse vivido, diria que eram só sonhos.
  • Conflitos de uma paixão: capítulo 3

    Leia o segundo capítulo.

    – A senhora quer suco de laranja ou limão? 
    – Laranja. E que você pare de me chamar de senhora, Marta. – sorri. Marta era nossa empregada que, às vezes, agia mais como mãe e amiga. 
    – Desculpa, Amanda. – ela pegou a jarra de suco e serviu-o num copo. – Às vezes esqueço como o tempo voa. Parece que foi ontem que cheguei aqui… E não perdi algumas manias, ainda. 
    Marta sorriu e deixou-me sozinha na mesa. Apesar de não querer admitir, ela tinha razão: o tempo voa. 
    – Mãe! 
    Rupert chegou correndo à cozinha e sentou em meu colo. Sorrindo, entregou-me um desenho que tinha feito na escola no dia anterior. 
    – Pra você, mamãe! 
    Peguei a folha de sua mão. Entre os rabiscos indecifráveis, consegui enxergar Matthew e eu de mãos dadas. Incrível como Rup ainda levava essa cena na memória. Já fazia tempo que, nem em minhas alucinações, isso acontecia. 
    – Que lindo, meu amor! – apertei-o em meus braços, arrancando um sorriso seu. – Então quer dizer que meu pequeno vai ser artista? 
    – Não, mamãe! – respondeu, ainda sorrindo. – Eu quero ser fotógrafo. Ah, não… Quero ser astronauta. Ah, não… 
    – Calma, Rup! – sorri, beijando-o a testa. – Você tem tempo para pensar. Mas, se continuar assim… – sorri – você vai acabar sendo um grande desenhista, viu? 
    Rupert sorriu e saiu de meu colo, correndo novamente. Aproveitei aquela boa aura que meu filho deixou e subi para meu quarto. Evitei olhar-me no espelho. Não suportava ver que aquele brilho no olhar havia se perdido ao longo dos anos. 
    Peguei a roupa em cima da poltrona, tomei um banho e vesti-a. Apanhei as chaves do carro na mesa ao lado da cama e corri para a garagem. Antes de tocar no volante, respirei fundo. Tentei deixar a tristeza e a nostalgia para trás, lá embaixo do travesseiro ou misturado aos cobertores. Precisava me acalmar. Afinal, umas duas dúzias de crianças me esperavam na biblioteca, ansiosas para conhecer a história do dia. 
    E, para falar a verdade, um pouco de ficção era tudo o que eu precisava para fugir, nem que por algumas páginas, da realidade em que me meti.
  • Conflitos de uma paixão: capítulo 2

    Leia o primeiro capítulo.

    Conheci Matthew na universidade. Ele era veterano em Música. E eu, caloura de Letras. Como diziam: ele tinha a melodia e, eu, as palavras. Era a melhor maneira de nos descrever na época. 
    Não havia um casal de amigos mais ligados que nós. Nossa amizade começou no primeiro dia, assim que esbarrei em suas coisas e deixei seu violão cair. Após xingar baixinho, Matt me ajudou com meus livros. E, na desculpa de me guiar para encontrar minha sala, ele me acompanhou pelo campus. Conversamos sobre tudo. Tudo, mesmo. Era como se eu já o conhecesse há anos. 
    Nossa amizade continuou após Matt se formar. Continuamos nos vendo fora dos corredores e além dos intervalos. Seus problemas eram meus problemas. E um deles se tornou, literalmente, meu. 
    George, seu pai, sempre foi apegado aos negócios. Preocupado com o andamento da empresa de sua família, George queria, mais que tudo, um neto. Sua saúde não ia bem. Assim como o medo de perder a herança que recebeu. 
    Matthew era filho único. E, como garantia, George precisava de um neto. Só assim, segundo ele, seu “reinado” poderia ser passado ao filho. Claro que, assim como eu, Matt achava tudo isso uma tremenda bobagem. 
    Porém, George estava pior a cada dia. Espalhava aos quatro cantos da casa que, antes de morrer, necessitava conhecer seu pequeno herdeiro. Queria mais que tudo – até mesmo que saúde – que Matthew tivesse um filho. 
    É aí que entro na história. 
    E é aí que minha paixão – mesmo que confidencial – arruína tudo. 
    Matthew estava desesperado. Queria se livrar da ideia maluca do pai. Mas, por outro lado, também queria deixá-lo partir feliz. Ele sabia que a morte de George era inevitável. Seu coração já não aguentava mais e, a cada dia, sua aparência piorava. Os dois ataques cardíacos haviam acabado com o pai. Até Matt, que sempre vivera sorrindo e cantando, tinha uma aparência mais doentia. 
    Era pressão para todos os lados. 
    Matt queria agir logo. Desesperado, ligou para a escola onde eu estagiava. Após o fim do meu expediente, encontrei-o em um pub no centro da cidade. Matthew estava exausto, sonolento e, principalmente, nervoso. 
    Não me lembro de suas palavras exatas. Apenas consigo lembrar de seus olhos cheios de lágrimas, suplicantes. 
    Seu pai queria um neto. 
    Matt queria ver seu pai feliz. Seja onde estivesse e seja como fosse. 
    Eu queria que meu melhor amigo tivesse uma solução para esse problema. 
    E a solução apareceu. A solução era eu. Eu e uma inseminação artificial que, apesar das complicações, me deu o melhor presente do mundo: Rupert Brown.
  • Conflitos de uma paixão: Capítulo 1

    Leia o prólogo.

    Tive uma noite difícil. Sonhos complicados. Sonhos que, na verdade, são partes de meu passado. 
    Aquele passado que te marca para sempre. 
    Tentei fechar os olhos e me forçar a dormir. Besteira. Meus 25 anos parecem que não me ensinaram nada sobre mim. Pesadelos não se curam com sono. Afinal, sono é a última coisa a aparecer após um sonho ruim. Pelo menos é assim comigo. 
    Desisti de não pensar naquelas cenas que minha mente fez o favor de relembrar. Incrível como alguns anos fazem toda a diferença. E, na minha vida, eles carregam muito mais que decisões difíceis. Guardam muito mais. 
    Não queria pensar no sonho. Ou pesadelo. Ainda não sei como chamá-lo. 
    Na verdade… Às vezes me sinto confusa. Não tenho certeza se o passado foi tão ruim. Não tenho certeza se minhas lágrimas estão escorrendo pelo meu rosto por arrependimento ou por nostalgia. Ou pelos dois. 
    Queria me obrigar a não lembrar de tudo. Mas é impossível. 
    Voltei minha vida há, pelo menos, três anos. Não tem como não sentir falta daquilo. Ou ter vontade de voltar e mudar tudo. Essa minha fase passa por meus olhos a cada vez que vou dormir. Não admito que sinto falta. Este é um segredo meu. E só meu. 
    Enquanto penso em um momento mais feliz que este, Matthew se levanta da cama. Como sempre, seu lado se torna só mais um espaço vazio. Apenas mais um, entre tantos outros que se formaram ao longo dos anos. 
    Anos que se passaram sem que eu percebesse. E é incrível como, às vezes, ainda sinto que vivo neles. Lá no passado, onde Matthew e eu éramos algo mais que hoje.
  • Conflitos de uma paixão: Prólogo

    Toda história possui um conflito. Sabe, isso acontece em qualquer lugar: livros, contos e, principalmente, vida real. Às vezes o conflito não se resolve. Por outras, sai do singular e entra no plural. E, claro… Mistura-se com outros e forma conflitos maiores. 
    Mas não há conflito mais complexo que uma paixão e suas consequências. Ela nos cega. Torna tudo estranho. Faz com que o mundo vire de cabeça para baixo. Ou, pelo menos, sentimos que é assim. 
    E quer saber? A vida é cheia de conflitos. Talvez porque, em uma metáfora totalmente idiota, a vida seja o conflito principal. 
    Conflito este que, deixo claro aqui, nem sempre precisa ser algo ruim. Apenas precisa sair do comum, do normal. E, cá entre nós… Qual vida consegue seguir um rumo fixo, pré-determinado e, na medida do possível, sem nenhuma anomalia?
    Da autora: Já faz algum tempo que estou escrevendo essa história. Depois de muito refletir se iria ou não postá-la aqui no blog, resolvi optar por sim. Creio que é algo bem diferente do que estou acostumada a escrever, mas mesmo assim, estou adorando. Já tenho vários capítulos prontos e pretendo postar dois por semana (um capítulo às quartas e outro aos sábados). Espero, do fundo do meu coração, que vocês curtam Conflitos de uma Paixão tanto quanto eu. Vejo vocês no primeiro capítulo! <3
  • A vida em foco

    Eu procurei por muito tempo. Vasculhei em todos os cantos. Meti-me por caminhos desconhecidos e me perdi tentando encontrar alguma coisa que fizesse tudo valer a pena. Dei muita razão para o amor e esqueci de aproveitar o que estava a minha volta.
    O tempo passou. Deixei o mundo me guiar e os sentimentos foram ao meu lado. Nas estradas que percorri, apenas consegui contemplar um borrão de várias cores que ficaram para trás sem ter nenhum sentido. Meus dias passaram a ser assim: desfocados. Como se eu tivesse perdido meus óculos há muito, muito tempo.
    Perdi a vida tentando encontrar um motivo para vivê-la. Deixei de ser feliz para encontrar a felicidade. Ou, pelo menos, o que achei que fosse a minha. Não aproveitei a tranquilidade das estradas e tampouco descansei da viagem sob uma árvore e sombra fresca. A vontade de terminar o caminho deixou-me por completo… Eu não queria mais chegar ao final. Agora a única coisa que importava era aproveitar os meios.
    Parei de procurar e comecei a me surpreender. Aprendi comigo mesma – e com todos os erros que cometi – a não criar expectativas. Aprendi a não achar que o amor estava nos lugares que pensei que estaria. Cansei de correr atrás dele. Comecei a esperá-lo e a deixar que, pelo menos uma vez, ele viesse atrás de mim. E com tudo isso (e mais umas feridas nos joelhos com tantos tombos) entendi que, quando as coisas aparecem ao acaso, elas são mais sinceras. E duram bem mais.
    Também passei a aproveitar cada minuto. Abandonei meus medos e preparei meus escudos. Passei a não me importar com as feridas. Pelo contrário: atribui uma história à cada uma delas sem me preocupar em curá-las. E sem me preocupar se eram machucados visíveis ou não.
    Tudo isso me ensinou que o tempo sempre estará certo e que, quando algo não é para acontecer, não adianta forçar. O destino sabe o que fazer com as escolhas que tomamos. É só depois de muitas lágrimas e muitos tombos que reconhecemos sua razão. E, consequentemente, é só depois de quebrar (muito) a cara que o tempo nos mostra do quanto ele nos livrou.
    E, assim, deixei de passar pela vida apenas com uma visão borrada dela. Ajustei meu foco, preparei meus sentidos, fiz as malas e saí por aí a procura de tudo o que perdi. Só que, desta vez, registrando tudo e sem deixar nada me escapar.
    Da autora: este texto foi escrito para o De Ponto em Conto, um blog criado por mim e mais três colegas da faculdade. A ideia é praticar tudo o que aprendemos em sala de aula. Então, vocês podem esperar por muitos contos, crônicas, textos e coisas do tipo. A equipe está bem diversificada e atende a todos os gostos. Espero que vocês passem por lá e confiram o que já postamos. Beijos, Julie <3
  • O que o iTunes não pode oferecer

    O dia 12 de outubro está quase aí e as lojas começam a ficar quase tão bonitas quanto Natal e Páscoa. Os objetos de sempre saem da vitrine e dão lugar a bonecas, laptop, CDs infantis e cores, muitas cores. 
    Só que outro dia, enquanto conversava com a minha mãe, percebi como são as crianças de hoje em dia. Atualmente, as garotinhas não ficam o mês todo esperando a mãe receber para comprar aquela Barbie legal. Ou, no caso dos meninos, aqueles postos cheio de bugigangas que eu nunca consegui entender. Ganhar a casa da Barbie não significa mais nada. E olha que, entre tantos outros sonhos, esse foi um dos que ficaram para trás. E só na vontade.
    Lembro que ganhei meu primeiro celular aos 10 anos e que, se eu não fosse estudar em uma escola longe de casa, teria sido bem depois. Ainda consigo ver minha avó indo na Pernambucanas e comprando um modelo bem antigo da Kyocera. Só fui saber que era meu depois que saímos da loja.
    Hoje, garotas mal entram na terceira série e já tem os “ai” da vida. É iPhone, iPad, iPod… E aí me pergunto: onde fica aquela magia que é a infância? Onde fica aquela ansiedade pela chegada do dia das crianças só pra ir na Ri Happy escolher quem vai ser sua nova “filha”? E aquela pseudo-liberdade de encontrar os amigos na rua – com as mães na porta de casa – e brincar de pega-pega, esconde-esconde ou qualquer outra brincadeira enquanto as mães conversam sobre os vizinhos e a novela das 9?
    Então descubro como eu era realmente feliz e não sabia. Enquanto na minha infância eu fiz amigos, as crianças de hoje só sabem criar – e destruir – amizades no Facebook. Enquanto eu ia para a escola só pra brincar na Educação Física, as crianças de hoje só se preocupam em chegar na sala e mostrar o novo aplicativo do iPhone.
    Sinto falta dos parquinhos lotados na praça do meu bairro. Sinto falta de ver crianças se sujando de lama no meio da rua. Sinto falta de ver a banca cheia de revistas de uma novela mexicana infantil. Sinto falta de ver o corredor de brinquedos das Casas Bahia cheio de crianças, e não o balcão de celulares e câmeras legais. Sinto falta de ver a nova geração puxando a saia da mãe porque quer colo, e não porque quer entrar na internet pelo celular.
    Acho que a verdade é que, quanto mais cresço, mais dou importância a momentos que, hoje em dia, não voltam mais. A infância que tive não vai voltar. As garotinhas de 10 anos não vão saber como é legal espalhar os brinquedos e as Pollys pelo quarto e depois ver seus pais arrumarem enquanto você foge pra casa da amiguinha. Os garotinhos não vão se sentir mais mecânicos que sabem tudo sobre carros. Os “pirralhos” não vão sentir mais aquela sensação de inocência, de fazer algo porque sente que é a hora e não porque a coleguinha já fez… A menos que, para tudo isso, exista um novo app super cool no iTunes. Porque, cá entre nós, até os adultos estão mais preocupados com a web do que com o sentido real da palavra “vida”.

    Esse texto faz parte da blogagem coletiva promovida no Depois dos Quinze.

  • Entrelinhas: Felicidade sem ilha deserta

    Eu estava num bar, sozinho. Uma garota se aproximou, cheia de patrocínios na camiseta, e me deu o convite para uma festa, dizendo: “Cara, essa balada vai mudar a sua vida.” Pensei um pouco com meus botões e respondi: “Então eu não vou. Não quero que a minha vida mude.” Ela não entendeu, achou que eu estava tirando sarro da cara dela e saiu distribuindo seus convites festivo-revolucionários entre as outras mesas.
    Se ela quisesse ouvir, eu diria que estou feliz com a minha vida: namoro a garota que eu amo, trabalho com o que mais gosto, moro numa casa com churrasqueira e não tenho nenhuma doença. Claro, nem tudo é maravilhoso, mas somando as minhas angústias com as minhas conquistas, minhas topadas de dedinho do pé no batente da porta com meus primeiros goles de chope gelado, minhas horas no trânsito com minhas horas na praia, e tirando a média, acho que sou feliz. Não sou bobo de achar que é mérito só meu a minha felicidade. Tive tudo  a meu favor: pais maravilhosos, comida boa, escola liberal, livrinhos, filminhos e disquinhos coloridos, a bola oficial de cada copa e, quando mesmo com tudo isso percebi que não estava contente, meus pais me levaram a uma psicóloga para me ajudar com as minhas angústias. 
    A felicidade é uma conquista difícil. Difícil, mas não impossível, nem tão distante da nossa realidade. O pensamento que deu origem à frase da garota me parece ser o seguinte: a felicidade é o oposto do que vivemos. Isso se expressa bem naquela ideia que temos do cara que ganha na loteria, larga TUDO e vai para uma ilha deserta ser feliz. Que horror! Se para ser feliz é preciso largar TUDO, então NADA do que fazemos é legal?! Será que nossas vidas são mesmo esse desastre? Acho que não. Claro, acho que nem todo mundo é feliz. Mas não acho que para eles serem teriam que largar TUDO e mudar completamente.
    Acho que a felicidade está muito mais em conseguirmos ser felizes do jeito que somos do que em mudar o nosso jeito. Não estou dizendo: contente-se com um prato de feijão com farinha por dia, pobre criatura, não reclame e tente ser feliz. Acho que a gente tem que ter uma busca de mão dupla: ao mesmo tempo em que tentamos mudar o que achamos estar errado (em nós e no mundo), temos que tentar nos adequar a quem somos e ao que temos.
    Só seremos felizes se estivermos contentes. Parece uma frase idiota, mas não é. Você já parou para pensar na palavra contente? Vem do verbo conter. Seremos felizes se nossa realidade for capaz de conter os nossos desejos. Se nossos anseios forem muito maiores que nossas possibilidades, estamos fritos. Não podemos entrar nessa de filminho bobo de Hollywood, em que basta querer muito que nossos sonhos se realizam. Mentira! Sermos milionários, dez centímetros mais altos ou viver sem termos que trabalhar não está ao nosso alcance. Ser feliz, sim, está.
    Quem escreveu esse texto?
    Antonio Prata é escritor. Nasceu em São Paulo em 1977. Publicou alguns livros de contos e crônicas, entre eles “Meio Intelectual, Meio de Esquerda” e “Estive pensando” (livro que se encontra a crônica “Felicidade sem ilha deserta), e escreve no caderno “Cotidiano” da Folha às quartas-feiras. Para conhecer mais sobre o autor, visite seu blog.