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  • Conflitos de uma paixão: capítulo 10

    Confira os capítulos anteriores.

    Matthew dirigiu, sem nenhuma pressa, focando-se somente na estrada. Ficamos em silêncio e isso me incomodou. Não queria dar espaço aos pensamentos que, agora, insistiam em forçar sua presença. 
    – Matt – chamei-o, procurando algo em minha memória para falar. Encontrei uma desculpa, no mínimo, aceitável. – Eu deveria estar na biblioteca. 
    – Sem problemas. Só me dê seu celular. – Pediu, ainda com os olhos fixos na estrada à sua frente. 
    Hesitante, fiz o que ele pediu. Entreguei-o o aparelho e ele passou a dirigir com uma só mão. Pela primeira vez, olhei a estrada à nossa frente. Não fazia ideia de onde ele queria chegar. 
    Matthew procurou um número nos contatos e apertou o send. Esperou alguns segundos até falar. 
    – Alô! – Respondeu. – Aqui é Matthew. – Esperou alguns segundos. – Isso mesmo. O marido da Amanda. – Ele sorriu ao som da palavra e eu me arrepiei. Ainda não me acostumara com tudo aquilo. – Sim, entendo. – respirou e continuou. – Amanda não vai poder ir hoje, desculpe. – Ele escutou e respondeu, sorrindo. – Ela precisou dar uma saída comigo. 
    – Diga que, se precisar, eu troco de turno com a Clarice. – Comentei. Clarice era a garota que lia para as crianças no período da tarde. 
    Matt colocou o dedo indicador na boca e fez um shhh
    – Não sei se ela pode ir à tarde. Mas amanhã ela vai. 
    Matthew desligou o telefone e me entregou. Ele ainda sorria. 
    – Não entendi todo esse sorriso. – comentei. 
    – Não é nada… – Respondeu, sorrindo ainda mais. – Ok. É sim. – Ele suspirou. – É que aquele seu amigo atendeu o telefone. 
    – Amigo? – Perguntei, confusa. Desde quando Matthew conhecia meus colegas de trabalho? 
    – Silvio… Stênio… Sei lá o nome do indivíduo! – Ele riu. 
    – Stuart? – Tentei, incrédula. 
    – Esse aí. 
    – E como você o conhece, Matthew? 
    – Chegamos, Mandy! 
    Matt parou o carro e, antes que eu pudesse ver onde estávamos, puxou meu rosto para ele. 
    – Eu sei mais sobre você do que você pode imaginar, Mandy. – Ele respondeu, sussurrando. – Agora – respirou – quero que você feche os olhos. – Ele olhou minha expressão confusa e riu – Só para sair do carro. Se não, estraga a surpresa, amor. 
    Obedeci ao seu pedido sem pensar duas vezes. Era a primeira vez (a primeira em muito tempo) que Matt era tão carinhoso comigo. E tinha me chamado de amor! 
    Ele deu a volta e abriu a porta do carro. Ainda com os olhos fechados, ele me virou e colocou suas mãos sobre eles para me impedir de ver qualquer coisa. Não que eu fosse trapacear. 
    Antes de tirar suas mãos do meu rosto, Matt me parou e ficou alguns segundos ali. Não fizemos nada nem falamos, tampouco. Ele abaixou suas mãos, deixando-as em minha cintura. 
    – Aqui estamos nós de novo. – sussurrou perto de meu rosto. – Tudo começou aqui, Amanda. – ele respirou fundo. – Foi aqui que essa confusão teve início. Há alguns anos, neste mesmo lugar, eu te falei sobre os planos do meu pai e você aceitou. – Ele apertou suas mãos na minha cintura e uma lágrima desceu de meu olho. – Nós começamos aqui e queria que recomeçássemos no mesmo lugar. – Ele deu uma meia volta e ficou de frente pra mim, ainda com a mão na minha cintura. 
    Limpei a lágrima que escapou enquanto ele olhava para mim, sorrindo. Tentei sorrir também, ainda confusa por tudo aquilo. 
    Matthew se ajoelhou na calçada. Ainda olhando em meus olhos, sem desgrudar deles por nem um segundo, Matt pegou minha mão e beijou-a. Pegou um embrulho dentro da calça – com um pouco de dificuldade, o que nos arrancou alguns risinhos – e o abriu. 
    Era uma caixinha preta. 
    Ele estendeu-a para mim, mostrando o conteúdo da tal caixinha. Era um anel. 
    – Amanda… – Sussurrou. – Aqui nós começamos nossa, digamos, vida juntos. Só que, – ele olhou para o anel por um momento e voltou a encarar meu olhar – nada foi do jeito que eu queria. E eu quero recompensar isso, recomeçar. – Ele respirou fundo, tomando coragem, e disse. – Aceita ser minha esposa? E, desta vez, de verdade? 
    Encarei seus olhos, paralisada com o pedido. Não sabia se aquilo era real, se era um sonho ou se, por alguma ironia da vida, o destino estava sendo bonzinho comigo. 
    Eu não sabia o que responder. 
    Um lado meu queria sair correndo e me esconder em algum lugar. Se fosse um sonho, eu acordaria logo. 
    Outro queria dizer sim. Mas, do mesmo modo, esse lado conhecia meus medos. E era isso que bloqueava meus pensamentos, minha razão. E meu coração.
    Eu não tinha certeza de que lado queria escutar.
  • Conflitos de uma paixão: capítulo 9

    Confira os capítulos anteriores.

    Matthew se mexeu ao meu lado e tentei respirar calmamente. Deixei os olhos fechados, tentando parecer que estava dormindo, mas algo em mim entregou que eu já estava consciente. Talvez fosse o jeito como meu corpo estava deslocado, desacostumado com a situação. 
    – Mandy? – Matt sussurrou em meu ouvido. 
    Demorei alguns segundos a mais para responder. Primeiro porque meu corpo se arrepiou com o som da sua voz tão perto. Depois, eu não me acostumara com aquilo, ainda. 
    E tinha medo de que, algum dia, isso acontecesse. 
    – Sim? – respondi. Minha voz saiu baixa e falha. Suspirei. – Diga, Matt. 
    Foi a vez dele de demorar a dizer algo. 
    Alguns segundos se passaram e só tive certeza de que meu marido – surpreendi-me ao chamá-lo desse jeito e um sorriso apareceu em meu rosto – ainda estava na cama porque seu braço continuava em minha cintura. Pensei que não teria resposta até que ele se mexeu e juntou nossos corpos ainda mais. 
    – Estava me perguntando o motivo de tudo isso. – Começou. Senti que ele falava mais consigo mesmo do que, de fato, para mim. Esperei, pacientemente, pelo resto. – Queria saber quando isso – ele tornou seu abraço mais apertando, indicando a situação – se tornou algo… Algo… – sua voz sumiu aos poucos. 
    Ele não precisava terminar a frase para que eu entendesse o significado. 
    Fiquei ali sem falar nada, sem fazer nada. Tinha medo de emitir qualquer som e estragar tudo. 
    Mas foi impossível. 
    – Acho que o tempo nos obrigou a esquecer que, antes de mais nada – hesitei, tentando não dizer “antes de casados” – somos amigos. Pelo menos foi assim desde o começo… 
    Matt acariciou meu rosto delicadamente. Perdi a linha de raciocínio assim que me dei conta de suas carícias. 
    – Desculpa, Mandy. – Ele suspirou – Fui um idiota ao longo desses anos. No fundo, me culpei por todo esse tempo… 
    Desta vez tive que me virar e ver seu rosto. Surpreendeu-me ao notar as mágoas (e, talvez, as marcas de lembranças em um passado não muito distante) tão evidentes em seus olhos. 
    – Como assim se culpou? – Perguntei, incrédula. 
    Ele colocou uma mexa de cabelo atrás de minha orelha enquanto me dava um sorriso fraco. 
    – Por tirar sua vida assim. 
    – Matthew, você não… 
    – Por favor, Mandy, não me poupe. – Interrompeu-me. – Você deixou sua vida para ter uma, se é que posso chamar de vida, complicada e triste. E quem seria o culpado se não eu? – Ele suspirou e abaixou o olhar. – Vi você acordar todos os dias apenas por acordar. Senti falta dos sorrisos em seu rosto, aqueles que eu gostava tanto de ser o motivo. Eu conseguia enxergar a tristeza em seus olhos e tinha… Tinha vergonha de encará-los. Era como se eles dissessem “você causou tudo isso, seu idiota”! – Ele sorriu, sem graça. 
    Eu não sabia o que dizer. Desde que oficializamos nossa relação, Matt nunca havia falado tanto assim. Ele estava abrindo seu coração, contando-me coisas que eu nunca imaginei ser verdade. Peguei seu rosto em minha mão e o acariciei. Ele colocou sua mão sobre a minha e fechou os olhos. 
    – Você não é o culpado, Matthew. – Disse enquanto admirava seu rosto. Eu tinha que fazer toda essa culpa sumir de seus olhos e não iria descansar até conseguir. Por mais que, lá no fundo, ele tivesse alguma razão – não por tirar minha vida, nem por ser culpa dele, mas sim pela tristeza que consumiu meus dias – eu não queria que ele pensasse nisso nem por um segundo mais. 
    – Eu sei que sou, Mandy. – Ele abriu os olhos. – Mas esse não é o ponto. Digo… – ele hesitou e olhou-me nos olhos pela primeira vez desde que acordamos – É difícil falar isso, principalmente porque nunca me abri com você. Porém, sinto que preciso contar que… Lá vai… Eu sempre fui apaixonado por você. E te ver sofrendo assim me afastou por todos esses anos. Acho que, dessa confusão toda que causei na sua vida, nosso filho foi a única coisa que valeu a pena para você. Esse era o motivo que me segurou aqui. 
    Demorei para engolir tudo o que ele disse. Matt. Apaixonado. Por mim
    Foi impossível não conter o riso histérico. 
    – Não entendi a graça, Amanda. 
    Demorei alguns minutos para me acalmar. 
    – Não estou rindo por achar graça, Matt. É que é estranho escutar isso de você. 
    – Por quê? É tarde demais? – A mágoa em seu olhar voltou novamente. – Sei que te fiz sofrer, Mandy, e quero recompensar isso a partir de agora. Só me de uma… 
    – Você não sabe o que está falando. – Coloquei o dedo em sua boca e ele o beijou. – É que… Bom, você usou as mesmas palavras que eu sinto. É estranho. 
    – Então… – Ele hesitou, sorrindo. Desta vez, o sorriso era sincero e seu olhar, curioso. – De certa forma, sabe-se lá o motivo, você sente algo por mim? 
    – Desde que derrubei suas coisas. Lembra? 
    Ele não respondeu. Cauteloso, apenas aproximou seu rosto e encostou seus lábios nos meus. Sua boca encontrou a minha e fixou-se nela por alguns segundos. Mesmo sendo algo bobo – um selinho rápido, mas cheio de sentimentos por trás – meu coração acelerou. Depois de muitos anos, senti-o em meu peito de novo. 
    Matt se levantou da cama, pegou sua roupa na poltrona e jogou as minhas. Peguei-as enquanto o olhava sem entender. 
    – Vista-se, Mandy. Quero te levar a um lugar.
  • Amor vazio

    Eu não sou uma daquelas pessoas cujo coração pode ser quebrado em mil pedaços e remendados tão fácil e rapidamente. Na verdade, invejo qualquer um que tenha esse dom – ou seja lá como chamam isso.
    O amor nunca foi justo comigo. Na última vez que nos encontramos, ele causou mais estragos do que eu poderia imaginar. Acho que, lá no fundo, nós não nos damos tão bem assim. É como se ele não fosse com a minha cara, simplesmente. De alguma forma, não fomos apresentados. Não da forma correta.
    Não é possível que meu coração continue sendo quebrado, pisado e torturado para, só depois de sofrer muito, encontrar um band-aid que funcione e não deixe vazar nem uma gota de sangue pelas bordas. É injusto que eu tenha que quase perder meu coração para, só depois, sentir que ele continua inteiro, intacto. Ou, de alguma forma, sem nenhum vestígio de dor.
    E ainda tem o tempo. As vezes, ele se torna mais injusto que qualquer outra coisa. Ele nunca está em sintonia com o que preciso e isso acaba com qualquer vontade de, simplesmente, amar de novo. Parece que, na minha vida, tempo e amor são sinônimos de desordem. Eles nunca funcionam juntos. Pelo menos, não como deviam funcionar.
    O tempo é quase imperceptível quando o amor se torna presente. Este some com a mesma leveza e facilidade com que chega e o tempo não é justo: faz o amor morrer aos poucos e rápido. Só o que permanece é aquele amor vazio, sem valor. Aquele amor que só há o sentimento abstrato, não o físico. E o tempo parece se dar melhor com este tipo de sentimento. É este que, afinal, deixa seus vestígios.
    Meu coração continua quebrado, dividido em mil pedaços nada iguais. As vezes, alguma parte some e volta com o passar dos dias. Em outras, nunca mais encontro. E eles se perdem aos poucos, sem nem uma chance de tentar reencaixá-los em seus devidos lugares. O vazio só se intensifica e os espaços ocos, multiplicam-se. E parece que o tempo (tão injusto) prefere prolongar-se nesse tipo de amor; aquele amor que não dura, que se torna só lembranças. Aquele amor que acaba com o coração. Que só deixa a dor, as feridas que não cicatrizam.
    E, ironicamente, o amor é a única solução para juntar todos os pedaços novamente, encontrar os que ficaram por aí e tentar, de novo, deixar esse sentimento ter o poder de fazer que eu tenha a sensação de voar. De que nada é impossível. Ironicamente, o amor se cura com… Amor. E tempo.
    Só não posso suportar ver meu coração se desmanchar em milhões de pedaços. Nem tentar remendá-los sem obter nenhum sucesso. Preciso ter certeza, antes de me jogar de corpo e alma mais uma vez, que o amor não vai me deixar vazia desta vez.
    E sim, de uma forma milagrosamente correta, cheia de vida, esperanças, sonhos e, claro, beijos quentes e momentos eternos.
  • Conflitos de uma paixão: capítulo 8

    Tive um sono sem sonhos. Ou, pelo menos, foi o que pensei quando abri os olhos por alguns segundos. 
    Eu não lembrava de muita coisa da noite anterior e tinha medo de que as poucas recordações fossem apenas parte da minha imaginação. Tentei me lembrar se, por acaso, eu já tinha sido tão criativa. 
    Fechei os olhos de novo e, desta vez, concentrei-me apenas em minhas memórias. Vários flashbacks apareceram em minha cabeça. E, ainda assim, eu não sabia se eu havia sonhado. 
    Eu tinha medo de olhar ao meu redor. Se, de fato, fora um sonho, eu sabia o quanto iria me machucar. Meu coração acelerou enquanto tentei reviver algumas cenas da noite passada. Sem querer, um vazio se formou em mim. E fazia tempo que eu não sentia esse tipo de vazio.
    Por outro lado, eu também temia a realidade. Se tudo aquilo fizesse parte dela… Eu tentava nem pensar no que viria logo a seguir. Matt poderia ter se arrependido ou simplesmente ter cometido um – e outro – erro. Minha vida era cheia deles. Eu poderia me acostumar com mais um… Não é? 
    Deixei o medo idiota de lado e me mexi na cama, apenas esperando encontrar um sinal de que o lado direito do colchão tinha um ocupante. Respirei fundo. 
    Não tinha sido apenas um sonho. 
    Senti um peso na cintura e me surpreendi com o longo tempo que levei para tomar consciência disso. Os braços de Matt ainda me abraçavam. 
    De repente, tudo ficou claro. Lembrei-me da noite anterior, de cada segundo ao lado de Mattew e de cada toque da sua pele na minha. Enquanto refletia sobre isso, senti o calor inundar meu corpo, como se, assim com meu cérebro, minha pele estivesse relembrando seu toque. Nada era tão próximo do real e, muito menos, de como imaginei que seria. 
    Eu nunca poderia prever que estaria deitada ao lado de Matt algum dia. Pelo menos, não depois de tudo o que aconteceu. Eu estava acostumada a ser só um lado inútil do colchão. Um espaço vazio. 
    Porém, agora, eu me sentia mais que isso. 
    Suspirei alto e me arrependi. Tinha medo que Matt acordasse e dissesse que foi apenas um deslize, um erro. Era como se aquela fosse nossa primeira noite juntos… E, de fato – não literalmente, é claro –, eu enxergava exatamente dessa forma. 
    E pela primeira desde que Matt e eu nos casamos, reencontrei algo que pensei ter escapado de mim. Esperança.
  • Aquela despedida

    Você me deu seu melhor sorriso de despedida. Enquanto me abraçava, vi um vazio se formar no meu coração (ou, quem sabe, no lugar onde ele esteve um dia). Aquelas borboletas no estômago voltaram como na primeira vez que meus olhos encontraram os seus. E acredite… Fazia tempos que eu não sabia o que era me sentir assim.
    Seus braços se demoraram por alguns segundos em minha cintura. Meus lábios, de repente, ficaram secos e minha voz se escondeu em algum lugar que eu não consegui perceber. De repente entendi que, na verdade, eu nunca deixei de me importar com você. Com nós.
    Eu não estava preparada para um adeus, mesmo sabendo que ele não é definitivo. Nunca consegui me comportar bem em despedidas. Em todas elas eu fiz algo errado. E desta vez não foi diferente.
    Deixei seu corpo se afastar do meu e, aos poucos, nossa distância não era só física. Você disse algumas palavras e, momentaneamente, eu ignorei todas elas. 
    Percebi, tarde demais, que seus braços não estavam mais em minha cintura. Paralisada, assisti cada passo seu diminuir as chances de transformar o nosso adeus em um até logo. Não encontrei minhas forças para movimentar minhas pernas até você.
    Eu queria ter (cor)respondido melhor a todos os seus sinais. Queria ter dito que, assim como você, também vou sentir falta dos nossos momentos juntos. Eu poderia ter dito o quanto eu vou me lembrar de seus olhos a cada vez que olhar o céu. E, por último, eu deveria ter me jogado em seus braços enquanto pedia desculpas pela indiferença que tomou posse de mim nos últimos meses. 
    E ter confessado, então, o quanto de você ainda resta em mim.
  • Mais um capítulo do nosso romance

    Nós dirigimos sem parar e sem destino até chegar em um campo aberto no meio do nada. A brisa suave bagunçou meus cabelos em sinal de boas vindas enquanto você entrelaçava nossos dedos e bagunçava minha respiração.
    Deixei-me ser guiada por você e não me importei onde tudo aquilo iria parar. Nós dois seguimos até o fim do campo verde e, a cada chegada, era como se estivéssemos percorrendo o infinito. Nossos pés descalços não se cansavam de andar e correr pela grama seca sob o sol que se destacava entre as nuvens.
    Senti como se nós dois estivéssemos caminhando entre elas. A grama abaixo de nós era como um algodão bem fofo – assim como o que as nuvens pareciam ser agora. Deixei que você seguisse até onde considerava o certo. E lá fomos nós pairar abaixo de uma árvore que, se eu não soubesse que era impossível, diria que estava a apenas um passo do céu.
    Você deixou o momento falar por si e, novamente, senti a capacidade de poder tocar as nuvens tão improvavelmente perto de nós. Seu rosto fixou-se no nada e o nada tornou-se tudo para mim. A nossa volta, enquanto contemplávamos o infinito, a brisa suave trazia as folhas que o outono deixou por aí. 
    Sua mão encontrou a minha e não demorou muito para meus lábios caminharem até os seus. As borboletas (no estômago e fora dele) completaram a cena e trouxeram uma beleza encantadora e quase perfeita. Se fosse eterno, eu poderia acabar com o quase da frase anterior.
    Seus lábios deixaram os meus e tocaram minhas mãos. No céu, o sol dava lugar à lua e as estrelas começavam a se formar. Você respirou fundo e disse algumas palavras adequadas ao momento. Beijou-me mais algumas centenas de vezes e me guiou no caminho de volta para o carro na outra ponta do campo. Novamente, deixei que me levasse por suas mãos sem me preocupar com o caminho nem com as pedras agora invisíveis sob a escuridão.
    Deixamos o verde para percorrer o cinza e corremos contra o tempo. Não que ele fosse importante, afinal nenhuma rotina poderia finalizar os momentos que vivemos enquanto quase tocávamos o céu. Corremos pelo asfalto apenas para sentir a brisa – agora gelada e agressiva – bagunçar nossos cabelos. Deixamos que algumas folhas batessem no pára-brisa e não nos importamos de tirá-las de lá quando abandonamos o carro na calçada. Antes de voltar para o volante, você selou com um beijo mais um capítulo do nosso romance. E eu joguei-me na cama apenas esperando o próximo. E o próximo e o próximo e o próximo…
  • Conflitos de uma paixão: Capítulo 7

    – Por que está chorando, Mandy? 
    O rosto de Matt estava em frente ao meu. Seus olhos encontraram meu olhar e se fixaram nele. Automaticamente, voltei ao tempo por alguns anos. Relembrei aqueles momentos que vivemos antes de tudo isso. 
    – Por nada, Matthew. – disse, limpando minhas lágrimas. – Deve ser porque meu dia foi pesado, só isso. 
    Ficamos em silêncio por alguns minutos. Enquanto isso, observei seu rosto. Em alguns pontos havia uns pingos de água. Matt deve ter tentado ficar sóbrio antes de me procurar. 
    Levantei da poltrona antes que o clima piorasse ou minhas ilusões aparecessem. Joguei o edredom na poltrona e segui meu caminho até a porta. Antes mesmo de completar meu terceiro passo, Matt se mexeu e segurou minha mão. 
    – Não vá, Mandy. 
    O toque de sua mão e a súplica em sua voz me paralisaram. Eu queria ignorar tudo aquilo, bater a porta e deixá-lo lá. Queria me desprender das emoções e apagar aquele dia, de uma vez por todas, de minha memória. 
    Mas, quando percebi, estava frente a frente com Matt, sentindo sua respiração perto de mim. Mais perto que qualquer outro momento. 
    – Fica aqui, Mandy. – disse, com sua respiração acelerada. – Eu não quero que você me deixe. 
    – O que você está falando, Matthew? – perguntei, confusa. 
    – Eu sou louco por você. – sussurrou. – Eu quero você para mim, Amanda. 
    Matt envolveu minha cintura e puxou meu corpo para perto do seu. Ele olhava meus lábios e meus olhos, alternadamente. As borboletas no estômago e aquele desejo louco voltaram. Eu queria ele perto de mim. 
    – Você está bêbado. – hesitei, tentando controlar minha respiração. – Não sabe o que está falando. 
    – Eu não bebi. – comentou. – Estava com cheiro de bebida porque um colega de trabalho derrubou whisky em mim. Tive que trocar de blusa mas ainda assim não consegui me despregar do odor. 
    – Ainda não acredito em você, Matthew. – disse, desconcertada. – Você não precisa se explicar. 
    – Eu queria falar com você há alguns dias, Amanda. – interrompeu-me. – Iria usar a desculpa de estar bêbado para chegar até você. – hesitou. – Nada do que eu disse é mentira… Eu realmente quero você. Acho que desde o momento que te vi. 
    Fiquei quieta, esperando acordar a qualquer momento. Eu estava sonhando e tinha medo de me envolver em tudo aquilo. 
    Enquanto lutava com meus sentimentos e vontades, Matt desamarrou meu roupão e descobriu meus ombros. O toque de sua mão, novamente, me hipnotizou. 
    Coloquei a mão em seu rosto e acariciei suas bochechas. Ele sorriu, fazendo-me sorrir também. 
    Aproximei nossos corpos e inclinei-me para beijá-lo. Meus lábios tocaram o seu uma vez e, antes de nos beijarmos, ele sorriu de novo. Era como se aquele homem em minha frente fosse o mesmo Matthew que conheci na universidade. 
    Ele puxou-me para a cama e terminou de tirar meu roupão. Aquela foi, sem dúvida alguma, a melhor noite de toda minha vida.
  • Conflitos de uma paixão: capítulo 6

    Confira os capítulos anteriores.

    Eu estava parecendo uma adolescente antes de dar seu primeiro beijo. 
    Tomei um banho e coloquei minha lingerie favorita (uma vermelha com rendas) por baixo do roupão de sempre. Estava nervosa e isso não ajudava em nada. O relógio marcava 17:50 e, daqui a dez minutos, Matt estaria entrando por aquela porta. 
    Peguei um livro na minha estante, deitei na cama e comecei a ler. Tentei parecer despreocupada, como se nada estivesse acontecendo. O que, claro, era mentira. 
    Dentro de mim havia um misto de emoções. Desejo. Ansiedade. Nervosismo. Borboletas no estômago. E tantos outros que eu não conseguia nomear. A decisão de tentar salvar meu casamento (e, automaticamente, minha paixão) tomou conta de mim. Eu queria Matt e queria uma vida normal, também. 
    A fechadura girou e Matthew entrou no quarto. Como sempre, olhou rapidamente para mim e foi até o banheiro tirar o terno. Jogou sua pasta em cima de sua poltrona e desapareceu por alguns minutos. 
    Todos os dias, após chegar da empresa que seu pai lhe deixara, Matt subia até o quarto, tirava a roupa e descia para comer alguma coisa na cozinha. Não sei se havia algo me ajudando mas, por sorte, hoje ele deitou direto na cama. 
    Fingi estar lendo o livro enquanto o colchão afundava ao meu lado. Descontraída, – ou, pelo menos, tentando ser – perguntei: 
    – Não vai descer para comer nada, Matt? 
    Cobrindo-se com o edredom, ele respondeu: 
    – Não. Comi algumas coisas na lanchonete. 
    Fiquei calada e estranhei seu comportamento. Prestei atenção em Matt e senti algo estranho. 
    – Você bebeu, Matthew? – minha voz saiu um tom acima do normal e acho que ele percebeu isso. 
    – Por que o espanto? – perguntou, mostrando-se não se importar. – Como se você ligasse para isso. 
    Não consegui me conter. Após tanta preparação, tanta ansiedade, Matt estragava tudo com seu cheiro de bebida alcoólica e grosseria. Ele sabia que eu odiava quando estava bêbado. E isso, para mim, foi um basta. 
    – Por que ligo? – disse, deixando meus sentimentos e minha raiva me levarem. – Por que ligo? – repeti, gritando. – Eu sou uma idiota! Uma idiota! 
    Matt se surpreendeu desde o momento que alterei minha voz. Nós nunca havíamos brigado… Ele não se importava com o que eu fazia e eu não o questionava sobre sua vida. Éramos marido e mulher mas vivíamos como dois estranhos. 
    Saí da cama e fui até o quarto de visitas. Foi a primeira porta que encontrei enquanto minhas lágrimas ocultavam minha visão. 
    Sentei na poltrona e me abracei, sentindo-me a pior pessoa do mundo. Após tantos anos, eu tinha sido, realmente, tão tonta a ponto de acreditar que eu poderia ter uma relação normal? Como eu pensei, nem que por algumas horas, que isso era possível? Matt havia acabado com minhas ilusões assim que assinamos os papéis no cartório. 
    Peguei o edredom que estava na cama e o puxei para perto de mim. Agora aquele calor que eu sentia havia deixado espaço para um frio de arrepiar o corpo inteiro. Enrolei-me no cobertor esperando que, pelo menos fisicamente, eu pudesse me aquecer. 
    E enquanto eu tentava cair no sono, uma frestinha de luz veio da porta. Vi uma silhueta entrando no quarto. 
    Só fui acreditar no que via quando um rosto aproximou-se de mim.
  • Conflitos de uma paixão: Capítulo 5

    Confira os capítulos anteriores.

    Cheguei em casa antes das 14h. Entrei na cozinha, comi algumas besteiras e fui até o escritório dar continuidade a história que estava escrevendo. 
    Minha vida se resumia a isso: trabalho voluntário na biblioteca da cidade, cuidar de Rupert e escrever. Depois de ter meu filho, fui obrigada a deixar minha carreira em Letras e viver só para ele. Porém, como não queria ficar com tempo ocioso nem depender 100% da família de Matthew, comecei a fazer alguns trabalhos como freelancer e a ler para as crianças no cantinho de leitura da biblioteca. 
    Os livros que eu precisava ajudar na edição já estavam prontos. Critiquei-me por ser tão rápida. Agora não havia nada mais a ser feito. 
    Liguei o computador e procurei minha pasta de textos. Enquanto buscava o documento da história que escrevia, achei um arquivo com o nome semnome-hahaha.doc. Eu tinha essa mania de nomear os textos com nomes diferentes. 
    Abri o tal documento e comecei a ler. Era um texto meu: 
    Viver é nosso maior dom. Viver é o que temos de melhor. E, por isso, não podemos deixar de lado nossa vida e viver a de outros. 

    Quando criança, sonhamos em ser tudo. São sonhos que, talvez, nunca vão se realizar. E sabe por quê? Por medo. Por receio. Por vergonha. Porque ao crescer perdemos aquela magia da infância. Perdemos aquela inocência e vontade de conseguir tudo. 

    Ironicamente, é justo quando perdemos tudo isso que precisamos ainda mais. Nós temos que almejar sempre. Temos que querer, antes de qualquer coisa, a felicidade. Temos que viver por nós. Apenas para nós. 

    E também temos que deixar de idealizar. Devemos aceitar que a vida é assim, com todas suas qualidades e seus defeitos, e fazer o melhor com o que temos em mão. 

    Por isso, corra atrás. Desista de tudo se for possível. Jogue para cima o que incomoda e te afasta de ser feliz. Desapegue das coisas que te atrasam e te impedem de seguir adiante. Há um caminho esperando por você. E caminhos são feitos para serem percorridos. 

    E quando chegar ao final da estrada, você vai ver que valeu a pena. Também vai perceber que, mesmo com as pedras e os buracos, o caminho é maravilhoso. E tão maravilhosa é a vida.” 
    Terminei de ler o texto com umas duas lágrimas no rosto. O texto, em si, já me faria chorar. Mas, lembrar que a dona daquelas palavras era eu foi o fim. 
    Eu nunca imaginei que seria tão controversa. Que, algum dia, iria ser contra tudo o que eu mesma escrevi. 
    Por outro lado, nunca imaginei que minhas palavras seriam meu combustível para tentar. 
    Refleti sobre o que, hoje, significava felicidade para mim. Duas pessoas vieram em minha mente: Rupert e, para minha surpresa, Matt. Apesar de tudo, eu o amava. Apesar de nossa relação forçada e desgastada, eu o desejava. Nós nunca tínhamos nos tocado e nossos lábios não se conheciam. Mas eu o sentia a cada noite. Podia sentir sua respiração perto de mim. 
    E foi com lágrimas e um sorriso no rosto que deixei o escritório. Hoje seria o dia em que começaria a tentar. Não custava nada… 
    Eu queria Matt mais que tudo. Queria ele como um marido. E não só no papel.
  • Conflitos de uma paixão: capítulo 4

    – Bom dia, Mandy! 
    – Bom dia, Stuart! 
    Cheguei à biblioteca 30 minutos antes do horário marcado. Stuart estava separando alguns livros antes de levá-los às estantes. Juntei-me a ele, ajudando-o em sua tarefa. 
    – Você sabe que não precisa fazer nada disso, Amanda! – disse, pegando um livro de minha mão. – Sua tarefa aqui é ler para as crianças. E só! 
    – Desculpa, senhor corretinho! – sorri. – Sou voluntária aqui e posso ajudar no que eu quiser. – peguei o livro de sua mão e o coloquei na prateleira. – Aliás, falando em trabalho voluntário… A Regina não está hoje aqui, não é? 
    – Acho que não, Mandy. – respondeu enquanto pegava outra pilha de livros para guardar. – Aliás, parece que ela deixou a biblioteca, sabia? 
    – Sério? – perguntei, sabendo a resposta. Regina nunca tinha gostado de ler para as crianças. Ela só estava ali para tentar algo com Stuart. 
    – Sério! – ele respondeu. – Falaram que ela conseguiu um estágio e não conseguiu conciliar os horários. 
    – Stuart, nós dois sabemos porque ela largou a biblioteca! 
    – Por quê? – perguntou. Peguei mais três livros e coloquei-os na prateleira correspondente à inicial do autor. 
    – Você sabe… Vocês dois… – hesitei. – Ela estava tentando algo com você há meses, Stuart! – respirei fundo e continuei. – Você e eu sabemos o que ela sente por você. 
    – Mas eu não sinto nada, Mandy. – respondeu, constrangido. – Você sabe por quem eu sinto essas coisas. 
    Felizmente, antes que eu ficasse desconcertada com o comentário de Stuart, a bibliotecária chegou e veio me dar bom dia. Aproveitei a oportunidade e fui com Martha até seu escritório para acertar os horários da próxima semana. 
    Subi até o espaço de leitura e escolhi o livro que iria ler para as crianças hoje. Como sempre acontecia em dias em que eu estava para baixo, peguei O pequeno príncipe na estante infantil. Esse era, sem dúvidas, o meu favorito. 
    As crianças chegaram e foram sentando pela sala. Os pais as levaram até o cantinho de leitura e desceram para ver outros livros e conferir lançamentos. 
    Assim que todos estavam sentados, iniciei mais uma leitura. 
    – Bom dia, crianças! – disse. – Hoje eu vou ler O pequeno príncipe. Ele foi escrito por Antoine De Saint-Exupery. Vamos começar? 
    Enquanto lia as palavras que tanto me faziam bem, meus ouvintes não tiravam os olhos de mim. Em alguns minutos, a sala ficou em um silêncio total. 
    Martha chegou, anunciando o término da leitura. Marquei a página que parei e avisei às crianças quando seria nosso próximo encontro para a continuação do livro. Elas foram ao encontro de seus pais e eu fiquei algum tempo na sala. 
    Estava no meu local favorito: o cantinho de leitura. Lá, rodeada por palavras, conseguia pensar melhor em minha vida. Ou, pelo menos, o que restou dela. 
    Matt e eu parecíamos dois estranhos. O que era uma amizade virou um casamento fracassado. E o que eu sentia – aquela paixão lá no fundo – virou sabe-se lá o quê. 
    Eu sentia falta dos meus anos de faculdade. Sentia falta do abraço quente de Matthew e das tardes que passávamos juntos. Sentia falta dos intervalos com música, onde o violão nos acompanhava. Sentia falta da nossa sintonia intensa, dos nossos olhares brilhando e dos nossos momentos que, agora, não passavam de lembranças. 
    Lembranças que, se eu não as tivesse vivido, diria que eram só sonhos.