Tag: crônicas

  • No que você está pensando?

    “No que você está pensando?”. Essa é a primeira pergunta que leio ao abrir a página inicial do Facebook. Que perguntinha mais complexa para se responder logo de cara! Afinal, quantos pensamentos passam por nossa cabeça durante as 24 horas do dia?
    Ao acordar eu poderia ter respondido ao Face que, caso eu encontrasse uma lâmpada mágica e um gênio me oferecesse três desejos, com certeza permanecer na cama seria um deles. Cochilar por mais eternos cinco minutinhos é o que todo mundo pensa quando o despertador enche o saco, digo, toca. Meu sono é como a zoeira: não tem limites. Às segundas-feiras é ainda pior por ser o começo de mais uma semana cheia de trabalhos, prazos e estresse. Quem acorda feliz, por favor, me passa a receita aí.
    Três minutos depois meu pai já estava me chamando pela décima vez. Senti falta da manhã de domingo, quando acordei com sussurros e não gritos. Suspirei. Um “eu te amo” é bem melhor que “você está atrasada”, apesar de não estar. Ta bom, admito. Queria meu namorado por perto de novo #loveisintheair.
    Uma hora mais tarde eu poderia responder ao Facebook que as lojas de São Vicente me deixaram decepcionada. “Como assim não encontrei um terninho por aqui?”, eu responderia à pergunta com outro questionamento (“somente um idiota responde uma pergunta com outra”, diria o Seu Madruga). Em resumo: acordei cedo para nada. Meu sono se sentiu ofendido.
    Chego à minha mesa do estágio e começo a fazer o clipping. “Segunda-feira é o pior dia”, eu diria ao Facebook, cuja janela abri no modo anônimo. “Onde clico para o Photoshop fazer tudo por mim? #Fikdik para a galera da internet inventar um aplicativo mágico que facilite a vida dos estagiários”. Obrigada, de nada.
    Olho para o relógio e já são 16h. Acabei de finalizar duas descrições literárias para a disciplina de Estudos da Linguagem. “Adivinha quem deixei tudo para a última hora? Mas como dizem… Antes tarde do que nunca.”, responderia ao Face.
    Finalmente, chega minha hora de sair do estágio. “Kd aquele Big Mac com três hambúrgueres agora? #gordinha #fitnessnãomerepresenta – se sentindo esfomeada”, eu postaria se meu 3G não fosse tão lento. E ainda colaria o link da paródia “Tô sem sinal da Tim”. Essa me representa.
    Algumas horas mais tarde, eu faria parte do grupo revolts das redes sociais. Não xingaria muito no Twitter porque agora ele não se importa com o que penso. “Gente que insiste no erro… Ninguém merece! #falomesmo”.
    Quase no final da noite, meu pensamento se resumia a TPM que insiste em me fazer companhia. Quer dizer, ninguém merece terminar o dia de mal com quem mais ama. “Hoje tá fácil prazinimiga – se sentindo chateada”.
    Já passa da meia-noite, mas para mim o dia só termina quando durmo. O relógio avisa que são mais de três da madrugada e até uma hora atrás eu não tinha ideia do tema desta crônica. Aí abro o Facebook e leio a frase que me acompanha todos os dias. Estava pensando em desistir. Agora…
    “Juliana Duarte está se sentindo com inspiração”. Valeu, Markinho!

    *Esta crônica foi escrita para um trabalho da faculdade. As meninas do grupo Julie de Batom no Whatsapp gostaram bastante e resolvi postar. Bom, está aí 🙂

  • Rascunhos

    Meu cobertor ainda tinha seu cheiro quando o peguei no fundo do guarda-roupa. Lembrei do dia em que você me disse que me amava pela primeira vez. Eu devia ter contato todos outros ‘eu te amo’ a partir deste, ou pelo menos ter dado mais importância a eles. Se eu soubesse que um dia existiria um último, talvez não precisasse tanto escutar sua voz dizer essas três palavras novamente.
    Eu aposto que a essa hora você está sentado em frente à sua janela, apreciando as ondas do mar. Lembro de ficar admirando seu rosto enquanto a luz da lua iluminava seus olhos. Às vezes, me chamava para sentar em seu colo e pousava sua mão em minha coxa. Eu o cercava com meus braços e vez ou outra acariciava seu cabelo. Poderia ficar ali para sempre sem reclamar.
    Quando havia conversa, só sua voz aparecia. Falou mil e uma vezes sobre um futuro nosso, não tão distante assim. Nos levou para a Europa, para a América do Norte e uma vez até disse que iríamos para um lugar excêntrico, só por ir. De um apartamento em frente a praia, você nos mudou para um maior no centro da cidade. De um relacionamento casual, nos transformou em marido e mulher. Com filhos, cachorros e uma casa no campo para passar as férias.
    Agora era tudo distante, tão distante quanto o futuro que você desenhou para nós. Nunca dei importância aos seus planos. Na verdade, não sentia que isso iria acontecer comigo algum dia. Até ontem, eu era só uma garota egoísta e sozinha vagando pelo mundo. Aí você chegou, adicionou sua vida à minha e criou planos para nós. Hoje posso entender o quanto eu estava envolvida neles, só depois que você apagou todos os rascunhos antes de torná-los reais.
    Deitei na cama, enrolada no cobertor que ainda guardava seu perfume. Talvez fosse alucinação minha, mas ele estava em todos os lugares por onde você passou. Eu te sentia, mais por dentro que por fora. Meu coração ainda batia acelerado só de escutar seu nome. Ou de te ver na padaria, comprando os mesmos cinco pães “bem torradinhos”. Abracei o travesseiro querendo sentir não só seu cheiro, mas você.
    Eu nem sei mais quanto tempo se passou até, finalmente, dormir. Nos meus sonhos, lá estava você. Como sempre, o protagonista das minhas histórias e devaneios. Enquanto acariciava meu rosto, dizia que estava tudo bem. Que nossos planos seguiram em frente, no mesmo caminho. Era como se você tivesse razão por alguns instantes. Pelo menos até eu acordar e perceber que os rascunhos ainda permaneciam intactos. Parados. Intocados. E sem previsão de deixarem de ser apenas esboços.
  • Cada vez mais

    O sol brilhava forte quando meu coração se acelerou ao te sentir por perto. Você usava meu modelo de óculos escuros favorito, mas nada conseguia ser melhor que seu sorriso. Sorri também. Nas costas, você levava sua mochila. No topo da cabeça, aquele boné que tomei de você por algumas horas no domingo anterior. E, em alguma parte de você, estava um pouquinho de mim, também – aquele pouquinho que ficou para trás quando precisei ir.

    Nós trocamos de cenário e ficamos mais perto do sol. O céu mudou de cor algumas vezes. Foi azul. Foi laranja. Foi os dois ao mesmo tempo. A cada vez que o sol se despedia, um novo tom dava sua beleza ao nosso momento. Você falou sobre seus dias antes e depois de mim. Fez meu sorriso aparecer e minha voz sumir. E posso jurar que algumas borboletas ganharam vida em meu estômago quando você me beijou.
    Você me fez voltar no tempo, quando eu não conhecia as consequências de um coração partido. Também me fez sentir como se fosse uma pré-adolescente curtindo sua primeira paixão. Você deu vida a um eu que nem sabia mais existir. Fez meu sorriso se tornar mais frequente e fez meus medos ficarem guardados no fundo do baú. E você foi a chave que o trancou.
    Eu disse o quanto você me fazia bem. Você puxou seus lábios em um grande sorriso enquanto suas bochechas coravam. Olhei seus olhos, sua boca e cada parte do seu rosto. Guardei cada detalhe em mim para que minha memória nunca falhasse ao lembrar aquele momento.

    Percebi que ter você pertinho de mim assim é quase tão estranho quanto saber que nós compartilhamos o mesmo sentimento. Há muito tempo eu não sei o que é ver meu sorriso refletido em outro alguém. Ou saber que meu coração não é o único batendo em um ritmo distinto. Se tem algo que eu posso afirmar é que você encontrou e despertou em mim sentimentos que eu pensei não sentir nunca mais. Posso pedir um favorzinho? Permaneça por aqui. Porque eu estou me apaixonando por você. Cada vez mais.

  • Uma camisa listrada e um cigarro mal apagado

    Pela última vez, você passou por essa porta. Agora, pro lado de lá. Deixou sua camisa listrada jogada na cadeira da minha escrivaninha e, no chão, um cigarro mal apagado. Para além da porta, você foi buscar seu caminho sem mim. No lado de cá, querido, devo te dizer… Não restou caminho algum.
    Você abriu a porta, passou por ela e, junto com seus passos, foi também meu coração. Ou o que restou dele. Que seja. Agora não faz nenhuma diferença. Nem posso afirmar se alguma vez, realmente, ele foi inteiro. Mas se restou algum pedaço, este você destruiu. Caramba. Que droga é esse tal de amor. Vicia. Acaba com tudo. Droga.
    Esperei pelas lágrimas. Nesse quarto desconfortável, elas seriam as únicas coisas certas. Elas não demoraram a chegar, mas foi o bastante para me deixar impaciente. Eu queria a companhia de qualquer coisa. As lembranças foram as primeiras a bater na porta.
    Deixei que elas fizessem seu trabalho. Assisti, novamente, todos os seus beijos, sorrisos e nossas brigas. Desta vez, a trilha sonora era deprimente. Não do tipo que sabemos que, na cena seguinte, vai rolar uma reconciliação. Mas do tipo adeus. Como aquelas que tocam de fundo quando um personagem importante morre no filme.
    Foi impossível controlar as lágrimas que vieram. Quando me dei conta, elas já eram muitas. E muitas. E muitas. Senti como se minha alma estivesse me deixando. Quem liga? Você se foi. Deixou só sua camisa velha e um cigarro que agora já havia abandonado suas faíscas. Deixou um buraco no meu coração. Leve tudo, logo. Não importa, de qualquer forma.
    Ao meu redor, tudo continuava o mesmo, exceto pelo pouco de luz que agora vinha da janela. O sol dava espaço a um novo dia. Acho que eu devia aprender alguma coisa com ele e começar algo novo, também… Meu coração, quem sabe?
  • Seu melhor acessório é ser você

    Assim que toda a papelada do estágio estava pronta, a primeira coisa que fiz (depois de pesquisar preços de notebooks), foi procurar modelos de óculos diferentes do que eu estava acostumada a usar (sim, eu uso óculos haha). Queria um modelo mais atual e que não fosse tão imperceptível. Passei toda a minha vida querendo usar óculos que fossem mais simples e “apagadinhos”, como se isso me fizesse sentir que não havia nada no meu rosto. Tudo isso por um motivo bem óbvio: vergonha (quem já percebeu que nunca estou usando óculos nas fotos?)
    Bom, antes de continuar com o texto, acho que vale contar como minha história oftalmológica começou, né? Vamos lá.
    Logo no maternal, em um dos projetos da escola, acabaram diagnosticando que eu tinha uma deficiência nos olhos. Aconselharam que minha mãe me levasse ao oftalmologista e lá fomos ela e eu (na época, com quase quatro anos de idade). 
    Na consulta, o especialista constatou que eu tinha hipermetropia e astigmatismo. Daí, depois de estar com a receita em mãos, fomos até uma ótima escolher que modelo de óculos iria ser o primeiro de toda minha vida. Nem preciso dizer que foi de um personagem, né? (se não me engano, da Turma da Mônica).
    Agora imaginem uma criança de quatro anos gordinha, tímida… E de óculos! Vou até pular essa parte porque com certeza vocês já entenderam! rs.
    Depois desse modelo de óculos vieram outros. Nos anos seguintes, ainda de personagens (Barbie, Disney, etc e etc). Aí mudei para modelos mais, digamos, adultos. Mas nunca me senti eu com nenhum deles, sabem?
    Como disse no começo do texto, sempre escolhi modelos que não fossem chamativos. Meu argumento? “Não quero que pareça que uso óculos”. Idiota, né? 
    Aí comprei um diferente, enorme. Um que eu nunca imaginei que usaria um dia. Acho que até cheguei a falar que não curtia em algum momento da vida. Queimei a língua, claro. 
    Assim que peguei o óculos pronto, senti como se fosse eu. É, eu. Eu de verdade. Ironicamente, senti como se não tivesse nenhuma armação no meu rosto. Como se fizesse parte de mim.
    Agora vem a parte que eu queria chegar.
    Hoje, meu primeiro dia com o óculos, recebi mil e um elogios. Dos pais, dos amigos e até dos colegas de trabalho. E, principalmente, de mim. Tudo isso por um acessório que resolvi usar. Ou, vendo meu passado de óculos, ousar.

    É incrível como uma coisa simples pode mudar toda sua autoestima. Passei o dia todo me sentindo confiante, super feliz com meus novos olhos. Agora estou enxergando super bem. A vida e eu.
    Nosso melhor acessório não pode ser comprado. Na verdade, a gente ganha de graça assim que nasce. Nosso melhor acessório é transmitir o que somos, do jeito que somos mesmo. Sem máscaras, sem fingimento e mostrando, através das roupas, dos óculos e até da maquiagem, um pouquinho de nós. 
    Não tem nada mais satisfatório que usar algo que você gosta e se sentir livre. Nada melhor que se olhar no espelho e gostar do que vê. E isso não está ligado só à armação dos seus óculos; vale para maquiagem, roupa, cabelo… Tudo. 
    Como dizem por aí: quando passamos por uma fase de baixa autoestima, não tem nada melhor que mudar algo em nós. Seja a cor do cabelo, seja a maquiagem do dia e até o guarda-roupa inteiro. Não importa a dimensão – não estamos falando dela e, sim, de você. Nossa beleza vem de dentro pra fora e disso eu não discordo. Mas, quando mudamos algo na aparência, nossa confiança aumenta muito. E quando a confiança e a autoestima estão lá em cima, fica perceptível por fora. Até nosso sorriso se torna diferente!
    E o mais engraçado nisso tudo é que eu tive que mudar de óculos para entender. Ou, numa metáfora bem tosca, enxergar melhor. Quem entende uma adolescente?
  • Um papo sobre autoestima, Facebook e Megan Fox

    Hoje, enquanto estava no meu Facebook, comecei a reparar algumas imagens e posts no meu feed. Entre frases bonitinhas e colegas de rede social tentando fazer graça, acabei reparando em uma dezena de imagens com frases exaltando os famosos e até partes do corpo (nada a ver!) deles.
    O surpreendente não foi o conteúdo dessas imagens e prints. Mas, sim, a presença deles. Se eu fosse fazer as contas, acredito que 90% das atualizações no Facebook têm esse tipo de conteúdo. 
    Comece a reparar nos amigos e até em você. Quantas vezes já se deparou com alguém (tentando ser engraçado, é claro) dizendo que até a unha do dedo mindinho do pé da Megan Fox é mais bonito que você por completo? Agora, responda: quantas vezes você já viu o dedo mindinho do pé da Megan Fox? Quantas vezes quem escreveu aquilo já viu você?
    Acontece que, infelizmente, estamos vivendo uma fase em que se sentir feio e indesejado é comum. Autoestima só existe na teoria e nos textos de revistas teen. É difícil conhecer alguém que valorize a imagem que vê no espelho e o que é por dentro. E quando isso acontece, ainda é rotulada de metida.
    E onde fica todo aquele papo de se gostar para que gostem de você? Imagina que aquele cara que você é apaixonada desde a 7ª série encontra seu perfil no Facebook (ou, sei lá, Twitter) e resolve vasculhar sua vida, suas atualizações e suas fotos. Já pensou o quanto ele ia achar chato encontrar mil e uma frases de você se jogando lá embaixo? Que garoto quer ficar com uma menina que, por qualquer motivo, começa a se inferiorizar? Garotos não curtem garotas inseguras. É um tormento se relacionar com quem se coloca pra baixo a cada vez que vê uma garota que se cuida e tem confiança. 
    E tem outro ponto: a Megan Fox é linda. Não nego. Consigo ver todos os pontos positivos no rosto e no corpo dela. Só que esquecem um porém, não é? Ela é uma pessoa pública. Ela ganha através da imagem que apresenta. Ela é linda, é claro. Mas é produzida. Lá existe uma mulher com maquiagem perfeita, cabelos super bem tratados e horas de academia. Que garota do mundo real tem uma vida assim?
    Entendem a diferença? Autoestima está mais ligada ao que somos por dentro do que o que vemos por fora. Se não exercitamos nossa confiança, sempre vamos nos enxergar como alguém indesejável e, no ponto de vista dos outros, feia e desinteressante. E ninguém é assim. Olhe a sua volta e perceba quantas pessoas gostam de você. Sabe aquela amiga que elogia seu cabelo? Não é querer ser falsa. É sinceridade. Apenas jogue essa barreira que te impede de acreditar na sua bff e passe a tomar os elogios como uma verdade. Tenha certeza que é.
    Você não é a Megan Fox e não é inferior ao dedo mindinho do pé dela. Você é melhor que isso. É única. Especial. E é isso que te torna tão linda. Apenas aceite e, na próxima vez que se olhar no espelho, veja suas qualidades. Elas são inúmeras, incontáveis. E, as vezes, invisíveis aos nossos olhos que só procuram por defeitos. Aliás… Todo mundo tem defeitos, viu? Até a Megan Fox. E eles são especiais, também, por formarem quem você é. 
    Ame suas qualidades, ame seus defeitos. E, acima de tudo: ame ser o que você é.
  • Nossas pizzas de fim de semana

    Todo fim de semana, minha mãe sempre chegava em casa com uma massa de pizza semi-pronta. Com toda a alegria – como se, realmente, fosse uma chef -, eu corria até a cozinha, louca para colocar a mão na massa. Eu era a estagiária e ela, a minha instrutora. 
    Nunca comíamos a pizza do jeito que ela chegava em casa. A gente tinha mania de complementá-la com outras coisas que a marca se esquecia. Era assim todas as vezes – e eu adorava isso.
    Lá da sala, meu pai começava a reclamar do horário. “Cadê essa pizza que não sai? Já são dez horas!”. Mesmo assim, sempre estava de olho na cozinha (e ajudando em tudo o que ele tinha permissão para tocar). Éramos cozinheiros de mãos cheias e sem nenhum certificado. O que, claro, tornava tudo melhor.
    Depois, levávamos até a sala um dos bancos que meu pai ainda tem no quintal. Apoiávamos a bandeja com a pizza e, no chão mesmo, colocávamos os pratos, os copos e a Coca Cola de dois litros (saudades de comprar uma Coca Cola de dois litros pelo preço de antes). Ou, as vezes, um refrigerante de tubaína. Nosso favorito.
    E assim rolava a noite. Conversas, TV ligada só para fazer barulho e um pedindo o ketchup ao outro. 
    Eram dias maravilhosos. Aliás, ainda é. Com menos frequência, é claro (mãe de dieta = nada de massas todos os fins de semana). Mas, mesmo assim, cada vez que minha mãe inventa de comprar uma pizza ou até pães para fazer sandubas, eu volto a ter os mesmos sete ou oito anos de antes, quando eu era uma chef de cozinha sem nem, ao menos, tocar no fogão.
    E querem saber? As melhores pizzas e os melhores sanduíches que comi não foram feitos em um restaurante famoso e caro. Foram feitos em casa mesmo, em uma cozinha doméstica sem nenhum forno superpotente nem ingredientes secretos. Só o amor.
  • A volta do meu coração

    – Até amanhã, Carol!
    Dei dois beijos na bochecha da Paloma e segui para um banco próximo à saída da universidade. Assim que cheguei, apoiei os cadernos e livros em cima dele e organizei todos na bolsa. Preferia o peso nas costas do que aquele volume nos braços.
    Assim que arrumei meu material, levantei e segui para a saída. Tirei a carteirinha do bolso e, antes de passar pela catraca, olhei para os lados só por mania boba. Me arrependi na mesma hora de ter feito isso.
    Lá estava ele. Julio. Estava rindo com uma garota que nunca vi na vida. Caramba! Eu não tinha jurado a mim mesma que não sentia nada por ele? Por que aquilo mexia tanto comigo? 
    Enquanto eu pensava, a garota ria de alguma coisa que ele falou. 
    Com muito sacrifício – e muita vontade de ir lá interromper o papo com qualquer bobeira sobre as aulas -, saí da universidade. Apressei o passo na esperança de que, mesmo que o Julio saísse ao mesmo tempo, eu ainda conseguisse alguma vantagem.
    Segui em frente apenas me concentrando em colocar um pé na frente do outro. Depois de alguns passos, percebi que meu tênis estava desamarrado. Droga! 
    Abaixei e me encostei no meio fio para amarrar o cadarço. Mentalmente, agradeci por ter guardado tudo na bolsa. Seria um trabalho tão grande se eu ainda estivesse com todos aqueles livros na mão…
    – Carol? – Perguntou uma voz atrás de mim.
    Não! Não! Mil vezes não! Não aquela voz. Não aquele rosto que, se eu virasse, estaria tão próximo. Não pode ser!
    Tentei forçar o melhor sorriso que pude. Falhei. Não encontrando outra saída, falei sem nem olhar no rosto dele. 
    – Oi, Julio. – Respondi, sem entusiasmo.
    Sem mais cadarço para prender minha atenção, me vi obrigada a levantar. Merda! Eu não queria ir embora com ele. Não depois daquilo e não depois dos meus sentimentos se fragilizarem daquele jeito. 
    Queria tanto ter uma desculpa para virar naquela próxima rua…
    Seguimos andando em silêncio. Pelo menos, eu estava. O Julio continuava com umas conversas que, sinceramente, não lembro nada. Era uma mistura de provas com trabalhos e um resumo sem muitos detalhes sobre as férias. 
    A Carol de alguns meses atrás iria se importar com cada detalhe. Isso era bom, né? Pelo menos, minhas defesas continuavam intactas. Em parte.
    Quando dei por mim, Julio estava segurando minha mão como se fosse a coisa mais natural possível. Estávamos andando assim, juntos, como um casal. Será que ele não se tocava no quanto isso era ridículo? 
    – Acho que os calouros são legais. Conversei com alguns hoje e gostei de algumas ideias. Poderíamos fazer uma festa de confraternização, o que acha?
    – Por quê? Quer conhecer melhor as suas amiguinhas?- Respondi, soltando minha mão da dele. Com sua pele longe da minha, ficou tão mais fácil pensar!
    – Não, Carol… – Respondeu, confuso. Ele olhou para nossas mãos separadas e continuou com o olhar baixo.
    – Ok, Julio. – Rendi-me. – Desculpa, falei besteira. Só estou nervosa com umas coisas… – olhei seu rosto e, automaticamente, sem nem pensar, peguei sua mão. 
    Ele sorriu e continuamos andando por aquela rua que guardava tantas lembranças. Eu não conseguia pensar em nada para completar o silêncio. Só em uma coisa…
    – Julio? – Chamei-o. – Você não acha que isso – levantei nossas mãos juntas – dá a impressão errada do que realmente somos? – Olhei seu rosto a procura de alguma mágoa. Só encontrei constrangimento.
    Ele não respondeu e minha curiosidade não iria se contentar com aquilo. Insisti.
    – Por que você insiste em andar comigo assim? – Desta vez, não precisei levantar nossas mãos para que ele entendesse sobre o que eu estava falando. 
    Ele demorou alguns segundos para responder. Finalmente, olhou para mim e disse:
    – Isso é bom. – Sorriu. – E você é melhor nisso do que imagina.
    Opa. Minha vez de ficar constrangida.
    Prosseguimos nosso caminho. Uma parte de mim estava louca para chegar em frente ao prédio dele (onde, normalmente, nos separávamos). Outra parte queria que o prédio nunca chegasse. Era tão bom ficar assim, tão próxima dele…
    Depois de alguns minutos de silêncio e uns poucos assuntos, chegamos em frente ao edifício marrom onde Julio morava. Ele se demorou por alguns segundos e continuou com nossas mãos unidas.
    Ele estava quieto, ansioso. Não sei o que me deixou assim também. Estávamos tão próximos. Tão… Tão ali, a só um inclinar de rostos.
    Quando dei por mim, meus lábios estavam encostando nos dele. Julio soltou nossas mãos e me abraçou forte, unindo nossos lábios mais umas duas ou três vezes.
    Antes de me dizer um “até amanhã”, Julio deu o sorriso mais lindo e sincero que já vi. Entrei no táxi que me levaria para casa ainda pensando no que acabara de acontecer. Minha mente continuava confusa, apesar das perguntas serem diferentes agora. E meu coração… Bom, esse aí não tinha mais jeito. Era como se ele estivesse longe, voltando só agora. Era como se, novamente, eu pudesse senti-lo dentro de mim, batendo numa intensidade louca.
    Intensidade essa que pensei que nunca mais sentiria de novo.
  • O momento em que a gente se (re?) encontra

    Sai de casa naquela manhã chuvosa. Dentro do estômago havia apenas metade de um pão integral e dois goles de café. Dentro da bolsa, apenas uns trocados (talvez mais moedas que cédulas, confesso). E, dentro da alma, uma vontade louca de me (re?) encontrar.
    Peguei o primeiro ônibus vazio que passou no ponto. Sentei ao lado de uma moça com cheiro de lavanda e um fone no ouvido. É, só um. O outro estava jogado e perdido no meio dos seus cabelos.
    Segundo o relógio dela, eram nove horas da manhã. Segundo o céu, o tempo chuvoso iria permanecer durante as próximas horas. Bom, não tenho muita certeza quanto a isso. Nunca fui boa tentando prever o tempo.
    Desci em um ponto depois de uma estrada sem prédios, casas nem pedestres. Meu destino? Quem sabe?
    Comecei a andar sem rumo. Queria encontrar algo e só sairia dali após conseguir. Não deixaria essa necessidade para trás (e muito menos para depois). Se fizesse isso, eu me deixaria ali também.
    Encontrei uma praça vazia com dois ou três bancos e incontáveis árvores. Cena perfeita para aqueles romances clichês (ou, dependendo o momento e a trilha sonora, filme de terror). Deitei embaixo de uma delas. A vista era acolhedora e, a sombra, deliciosa.
    Fui até ali à procura de mim. E encontrei. Embaixo daquelas folhas e encostada naquele tronco cheio de limo, fiz uma introspecção. E valeu (muito!) a pena.
    Nunca vou me esquecer o dia em que eu me (re?) encontrei. É, bem ali no meio de uma praça insignificante e sem atenção da prefeitura. Bem ali embaixo de uma árvore de cento em poucos anos. Ali eu entendi… Ou melhor, me entendi.
    A vida não é, nunca foi e não tem planos de ser fácil. Mas nem por isso ela não pode ser boa, ser deliciosa. E, sabe? A gente tem mais é que aproveitar. Se jogar nela. E ignorar o que vão pensar e dizer.
    O que importa é o que você sente. E o que vou contar agora, eu quero que você leve pra sua vida. Não deixe só numa página, numa folha ou nos dois minutos que você usou para ler tudo isso e chegar até aqui. Nem precisa de caneta e bloquinho de anotações para lembrar desse, digamos, conselho. É só ler com muita atenção. Vamos lá?
    Sinta-se como se estivesse embaixo de uma árvore. Não literalmente, é claro. De mentirinha, mesmo, só em devaneios. Sabe, metáfora pura.
    Embaixo da árvore só há você. Você, seus sentimentos, seus pensamentos e seu mundo. É isso o que importa: o que está embaixo das folhas. A opinião negativa de quem vive fora delas, você deve considerar como pinguinhos de chuva que a árvore vai impedir que cheguem até você. Ela vai ser sua proteção, seu escudo. 
    Mas se, por acaso, alguma gota passar por algum espaço entre as folhas lá em cima… Bom, é só uma gotinha minúscula, não é? Nada que passar a mão por cima para destruí-la não resolva o problema. (Agora você entende que é mais forte do que imagina?)
  • Uma cadeira vazia

    Entrei naquele restaurante que a gente jantava todos os sábados. Já fazia muito tempo que eu não passava por caminhos que me lembrassem você. Mas hoje, sei lá o motivo, eu senti que devia refazer a rota. A nossa rota.
    Sentei na mesa de sempre. Sabe… Aquela que, se estivesse ocupada, você me fazia esperar só para vê-la vazia. Hoje, não havia ninguém naquelas cadeiras de sempre. Assim como no meu coração.
    Pedi meu prato favorito junto com o sabor do suco que você sempre bebia – e eu odiava. Nem me importei. Talvez meu subconsciente só estivesse querendo, de alguma forma, sentir você por ali. Não que eu precisasse disso. Mas tudo seria incompleto sem uma dose de você.
    Em algum lugar dentro de mim, eu desejei que o suco não fosse minha única recordação de nós. Eu queria enxergar seus olhos do outro lado da mesa. Queria que sua mão tocasse a minha quando eu ficasse nervosa demais para conseguir falar. Queria que você fosse bem mais que uma cadeira vazia a minha frente. Meu coração já não era seu. Mas as lembranças continuavam sendo minhas.
    Olhei ao meu redor. Não havia nenhum rosto conhecido. Talvez, só o do cara do caixa ou da garçonete que uma vez te cantou. 
    O garçom chegou com meus pedidos. Antes de levar a comida à boca, tomei um gole do seu suco favorito. Manga. Eca. Odiava esse sabor. Mas, pela primeira vez, não senti tanta repulsa assim. Eu ainda achava ruim o gosto. Só que, ao contrário das outras noites, algo me fazia gostar do sabor. Talvez fossem só as lembranças aparecendo.
    Olhei para a janela logo ali ao meu lado. Então, entendi o motivo de você sempre querer este lugar; tudo era tão lindo! O reflexo do sol nas casas e nos edifícios formava uma paisagem única – que ficava ainda mais completa com as pessoas e carros passando pela rua. Eu nunca tinha reparado em nada disso. Antes eu tinha algo melhor para ocupar meus olhos…
    Sorri. Pela primeira vez em muito tempo, sorri. Sorri por você não estar ali e não ver como eu estava sendo boba. Sorri por você não começar a dizer que eu não deveria estar ali… Que eu não deveria me afundar tanto no passado. Principalmente quando não era saudável fazer isso.
    Levantei-me da cadeira e, com o papel na mão, fui até o caixa. Desta vez, era outro funcionário que estava atendendo. Não o reconheci. Eu não sabia se isso era bom ou ruim… Sabe, mudar tudo. Como se o antes nunca tivesse existido.
    Acho que as coisas estavam mudando em todos os lugares. E não só dentro de mim…