
Tag: eu lírico
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Uma camisa listrada e um cigarro mal apagado
Pela última vez, você passou por essa porta. Agora, pro lado de lá. Deixou sua camisa listrada jogada na cadeira da minha escrivaninha e, no chão, um cigarro mal apagado. Para além da porta, você foi buscar seu caminho sem mim. No lado de cá, querido, devo te dizer… Não restou caminho algum.Você abriu a porta, passou por ela e, junto com seus passos, foi também meu coração. Ou o que restou dele. Que seja. Agora não faz nenhuma diferença. Nem posso afirmar se alguma vez, realmente, ele foi inteiro. Mas se restou algum pedaço, este você destruiu. Caramba. Que droga é esse tal de amor. Vicia. Acaba com tudo. Droga.Esperei pelas lágrimas. Nesse quarto desconfortável, elas seriam as únicas coisas certas. Elas não demoraram a chegar, mas foi o bastante para me deixar impaciente. Eu queria a companhia de qualquer coisa. As lembranças foram as primeiras a bater na porta.Deixei que elas fizessem seu trabalho. Assisti, novamente, todos os seus beijos, sorrisos e nossas brigas. Desta vez, a trilha sonora era deprimente. Não do tipo que sabemos que, na cena seguinte, vai rolar uma reconciliação. Mas do tipo adeus. Como aquelas que tocam de fundo quando um personagem importante morre no filme.Foi impossível controlar as lágrimas que vieram. Quando me dei conta, elas já eram muitas. E muitas. E muitas. Senti como se minha alma estivesse me deixando. Quem liga? Você se foi. Deixou só sua camisa velha e um cigarro que agora já havia abandonado suas faíscas. Deixou um buraco no meu coração. Leve tudo, logo. Não importa, de qualquer forma.Ao meu redor, tudo continuava o mesmo, exceto pelo pouco de luz que agora vinha da janela. O sol dava espaço a um novo dia. Acho que eu devia aprender alguma coisa com ele e começar algo novo, também… Meu coração, quem sabe? -
Meu ex
Ele se foi há muito tempo. Na verdade, nunca mais o vi. Meu ex. E eu estaria mentindo se dissesse que não sinto falta dele. Sabe… A gente sempre sente (mesmo que não queira admitir). São muitos momentos inesquecíveis e muitas partes de nós que ficam para trás. Impossível deixar pra lá, assim, tão fácil.
Desde que ele se foi, eu nunca mais fui completa. Perdi uma grande parte de mim quando tudo acabou. Sinto falta dos nossos momentos. Na verdade, sinto falta de sentir algo. Algo que não seja este vazio que ficou.
Não faço ideia de como parei por aqui. Não lembro de nenhum olá e nenhum adeus. Ele apenas veio, ficou e se foi. Tão automático, tão… Sei lá.
É como se nada existisse depois do final – ou seja lá como se chama isso. É como se nada fosse tão certo mas, também, nem tão errado. Só tanto faz. Qualquer coisa tanto faz. Acabou, não é?
Eu estou sozinha. Sozinha. Sozinha como nunca estive em toda a minha vida. Ele se foi. Meu ex. Meu coração, meus sentimentos e qualquer afeto. Sinto falta disso tudo. Do ex, do coração e de sentir algo. Sinto falta da minha liberdade (até isso foi levado de mim).
Eu só quero o tempo. O tempo e o que ele traz. Quero o alívio, o esquecimento e o recomeço. Quero meu ex de volta, mas também quero um novo. Cansei do antigo e tenho medo do que está por vir.
Mas só de uma coisa eu tenho certeza:
Quero de volta. Meu ex. Meu ex eu. Aquele meu eu antigo. Aquele meu eu sonhador. E, principalmente: aquele eu que acreditava no impossível. Hoje só restou este eu miserável, sem expectativas nem sonhos. Só esse eu vazio. Só esse nada. Só… Eu.
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Nossas pizzas de fim de semana
Todo fim de semana, minha mãe sempre chegava em casa com uma massa de pizza semi-pronta. Com toda a alegria – como se, realmente, fosse uma chef -, eu corria até a cozinha, louca para colocar a mão na massa. Eu era a estagiária e ela, a minha instrutora.Nunca comíamos a pizza do jeito que ela chegava em casa. A gente tinha mania de complementá-la com outras coisas que a marca se esquecia. Era assim todas as vezes – e eu adorava isso.Lá da sala, meu pai começava a reclamar do horário. “Cadê essa pizza que não sai? Já são dez horas!”. Mesmo assim, sempre estava de olho na cozinha (e ajudando em tudo o que ele tinha permissão para tocar). Éramos cozinheiros de mãos cheias e sem nenhum certificado. O que, claro, tornava tudo melhor.Depois, levávamos até a sala um dos bancos que meu pai ainda tem no quintal. Apoiávamos a bandeja com a pizza e, no chão mesmo, colocávamos os pratos, os copos e a Coca Cola de dois litros (saudades de comprar uma Coca Cola de dois litros pelo preço de antes). Ou, as vezes, um refrigerante de tubaína. Nosso favorito.E assim rolava a noite. Conversas, TV ligada só para fazer barulho e um pedindo o ketchup ao outro.Eram dias maravilhosos. Aliás, ainda é. Com menos frequência, é claro (mãe de dieta = nada de massas todos os fins de semana). Mas, mesmo assim, cada vez que minha mãe inventa de comprar uma pizza ou até pães para fazer sandubas, eu volto a ter os mesmos sete ou oito anos de antes, quando eu era uma chef de cozinha sem nem, ao menos, tocar no fogão.E querem saber? As melhores pizzas e os melhores sanduíches que comi não foram feitos em um restaurante famoso e caro. Foram feitos em casa mesmo, em uma cozinha doméstica sem nenhum forno superpotente nem ingredientes secretos. Só o amor. -
A vida que deixei para trás
Não há um dia que eu não pense em você. As paredes a minha volta não servem só para me separar do mundo e me punir das besteiras que fiz. Elas também jogam na minha cara como fui idiota em te trocar por uma vida – ou o que eu achava ser uma – miserável e a base de nada. Nada. É… foi só o que me restou.A gente se conheceu em uma dessas baladas da vida. Você se aproximou e me pagou uma ou duas bebidas. Sob o efeito delas, dançamos três ou quatro músicas. E, depois disso, foram cinco ou mais beijos.Lá em cima, o DJ cuidava para escolher a música perfeita naquele momento. Não reconheci nenhuma delas e até hoje me pergunto o nome daquela que marcou nosso primeiro beijo. Mesmo assim, é a nossa trilha sonora. Seja lá o que as letras significavam (você sabe que eu nunca fui boa em inglês).Depois disso, o tempo passou voando. Anel. Buquê. Vestido branco. Nove meses. Choros altos. Noites em claro. Mais dois pares de olhos brilhantes na casa.E agora, tudo o que eu queria era voltar, novamente, àquele nosso primeiro encontro.Eu só queria seu novo endereço ou número de celular. Queria te contar como as coisas desandaram por aqui.Você se foi. Levou junto meu coração, meus planos e uma parte grande de mim: nossa filha. Ainda escuto os choros dela em meus pesadelos injustos. Perdi você, perdi a dona dos olhos mais brilhantes que já vi e, principalmente, perdi a mim.Troquei nossa vida por um cigarro ou dois. Depois, troquei os cigarros por coisas mais fortes. De repente, eles viraram minha vida. Hoje entendo como fui idiota. Só queria te ter como destinatário para contar o que mudou.Já faz tempo que estou limpa. Limpa de tudo e, talvez, até do coração. Acho que o vendi por um pouco de alguma droga. Mas sei que você tem uma cópia perfeita dele. Volta pra mim e me ensina a viver de novo? Por favor.Sem vocês, não vejo sentido ter um futuro. Estou pronta para deixar este quarto e me aventurar a viver – de verdade, desta vez. Vem me buscar. Você sabe meu endereço, meu nome e até meu RG.Vem e devolve nossa vida antes que eu desista da minha. -
O momento em que a gente se (re?) encontra
Sai de casa naquela manhã chuvosa. Dentro do estômago havia apenas metade de um pão integral e dois goles de café. Dentro da bolsa, apenas uns trocados (talvez mais moedas que cédulas, confesso). E, dentro da alma, uma vontade louca de me (re?) encontrar.Peguei o primeiro ônibus vazio que passou no ponto. Sentei ao lado de uma moça com cheiro de lavanda e um fone no ouvido. É, só um. O outro estava jogado e perdido no meio dos seus cabelos.Segundo o relógio dela, eram nove horas da manhã. Segundo o céu, o tempo chuvoso iria permanecer durante as próximas horas. Bom, não tenho muita certeza quanto a isso. Nunca fui boa tentando prever o tempo.Desci em um ponto depois de uma estrada sem prédios, casas nem pedestres. Meu destino? Quem sabe?Comecei a andar sem rumo. Queria encontrar algo e só sairia dali após conseguir. Não deixaria essa necessidade para trás (e muito menos para depois). Se fizesse isso, eu me deixaria ali também.Encontrei uma praça vazia com dois ou três bancos e incontáveis árvores. Cena perfeita para aqueles romances clichês (ou, dependendo o momento e a trilha sonora, filme de terror). Deitei embaixo de uma delas. A vista era acolhedora e, a sombra, deliciosa.Fui até ali à procura de mim. E encontrei. Embaixo daquelas folhas e encostada naquele tronco cheio de limo, fiz uma introspecção. E valeu (muito!) a pena.Nunca vou me esquecer o dia em que eu me (re?) encontrei. É, bem ali no meio de uma praça insignificante e sem atenção da prefeitura. Bem ali embaixo de uma árvore de cento em poucos anos. Ali eu entendi… Ou melhor, me entendi.A vida não é, nunca foi e não tem planos de ser fácil. Mas nem por isso ela não pode ser boa, ser deliciosa. E, sabe? A gente tem mais é que aproveitar. Se jogar nela. E ignorar o que vão pensar e dizer.O que importa é o que você sente. E o que vou contar agora, eu quero que você leve pra sua vida. Não deixe só numa página, numa folha ou nos dois minutos que você usou para ler tudo isso e chegar até aqui. Nem precisa de caneta e bloquinho de anotações para lembrar desse, digamos, conselho. É só ler com muita atenção. Vamos lá?Sinta-se como se estivesse embaixo de uma árvore. Não literalmente, é claro. De mentirinha, mesmo, só em devaneios. Sabe, metáfora pura.Embaixo da árvore só há você. Você, seus sentimentos, seus pensamentos e seu mundo. É isso o que importa: o que está embaixo das folhas. A opinião negativa de quem vive fora delas, você deve considerar como pinguinhos de chuva que a árvore vai impedir que cheguem até você. Ela vai ser sua proteção, seu escudo.Mas se, por acaso, alguma gota passar por algum espaço entre as folhas lá em cima… Bom, é só uma gotinha minúscula, não é? Nada que passar a mão por cima para destruí-la não resolva o problema. (Agora você entende que é mais forte do que imagina?) -
Uma cadeira vazia
Entrei naquele restaurante que a gente jantava todos os sábados. Já fazia muito tempo que eu não passava por caminhos que me lembrassem você. Mas hoje, sei lá o motivo, eu senti que devia refazer a rota. A nossa rota.Sentei na mesa de sempre. Sabe… Aquela que, se estivesse ocupada, você me fazia esperar só para vê-la vazia. Hoje, não havia ninguém naquelas cadeiras de sempre. Assim como no meu coração.Pedi meu prato favorito junto com o sabor do suco que você sempre bebia – e eu odiava. Nem me importei. Talvez meu subconsciente só estivesse querendo, de alguma forma, sentir você por ali. Não que eu precisasse disso. Mas tudo seria incompleto sem uma dose de você.Em algum lugar dentro de mim, eu desejei que o suco não fosse minha única recordação de nós. Eu queria enxergar seus olhos do outro lado da mesa. Queria que sua mão tocasse a minha quando eu ficasse nervosa demais para conseguir falar. Queria que você fosse bem mais que uma cadeira vazia a minha frente. Meu coração já não era seu. Mas as lembranças continuavam sendo minhas.Olhei ao meu redor. Não havia nenhum rosto conhecido. Talvez, só o do cara do caixa ou da garçonete que uma vez te cantou.O garçom chegou com meus pedidos. Antes de levar a comida à boca, tomei um gole do seu suco favorito. Manga. Eca. Odiava esse sabor. Mas, pela primeira vez, não senti tanta repulsa assim. Eu ainda achava ruim o gosto. Só que, ao contrário das outras noites, algo me fazia gostar do sabor. Talvez fossem só as lembranças aparecendo.Olhei para a janela logo ali ao meu lado. Então, entendi o motivo de você sempre querer este lugar; tudo era tão lindo! O reflexo do sol nas casas e nos edifícios formava uma paisagem única – que ficava ainda mais completa com as pessoas e carros passando pela rua. Eu nunca tinha reparado em nada disso. Antes eu tinha algo melhor para ocupar meus olhos…Sorri. Pela primeira vez em muito tempo, sorri. Sorri por você não estar ali e não ver como eu estava sendo boba. Sorri por você não começar a dizer que eu não deveria estar ali… Que eu não deveria me afundar tanto no passado. Principalmente quando não era saudável fazer isso.Levantei-me da cadeira e, com o papel na mão, fui até o caixa. Desta vez, era outro funcionário que estava atendendo. Não o reconheci. Eu não sabia se isso era bom ou ruim… Sabe, mudar tudo. Como se o antes nunca tivesse existido.Acho que as coisas estavam mudando em todos os lugares. E não só dentro de mim… -
Aquele texto sobre nós
Nós nos encontramos na praça de sempre, com o mesmo sorriso e a mesma mania de achar que ele era suficiente. Aproveitamos o fim da tarde, o aparecimento da lua e as primeiras estrelas. Aos poucos, deixamos o tempo nos levar e ele, finalmente, nos levou.Você foi comigo até o táxi mais próximo e, com um beijo rápido, se despediu. O sorriso ainda era o mesmo. O corte de cabelo, quase. Sorri involuntariamente e deixei seu perfume preencher meu cérebro. O motorista perguntou o destino e, antes que eu pudesse responder, você falou a rua, o número da casa e o bairro. Informações que eu poderia jurar que você nem lembrava mais.Começou a viagem de volta, aquela que seria mais cheia de lembranças do que sinais vermelhos. Passei pela praça que guardava nossa primeira conversa e pela esquina que você me cumprimentou pela primeira vez. Poderia até imaginar nosso primeiro beijo na rua daquela padaria que você gostava. Nós nunca entramos lá para saber se os bolos eram tão gostosos quanto o cheiro. Acho que eu poderia colocar isso na listinha de coisas que devemos fazer, né?Passei por ruas, esquinas e praças que faziam parte da nossa história. Cada um tinha um nome diferente – talvez sempre relacionados com políticos ou, sei lá, estados – mas, para mim, cada um tinha um momento diferente. O que marcava aquela esquina, aquela padaria ou aquela árvore não eram nomes. Eram lembranças. Beijos. Abraços. Sorrisos. Lágrimas. Nós.Cada pedaço da gente estava no caminho de volta. Pedi ao motorista para abrir a janela e aproveitei a brisa nos meus cabelos. Nesta altura do dia, nem me importava se ele fosse bagunçar ou não. Eu só queria chegar em casa.Desci do táxi, paguei a viagem e entrei em casa. Tudo escuro. É claro.Depois de alguns minutos procurando a chave (Droga! Eu poderia jurar que estava embaixo do tapete…), abri a porta e o ar quente me encontrou. Joguei a bolsa no sofá, o casaco na cama e eu, na cadeira do computador.Sinal verde ao lado do seu nome.Você estava louco para encontrar um wi-fi para entrar no Instagram postar a foto dos nossos sorvetes. E eu estava louca para saber se você tinha lido meu último texto. Vasculhei todos os comentários a procura do seu, de um anônimo ou alguém que eu pudesse dizer “é ele”. E você, colocou uma foto no Instagram. Não de sorvetes. A nossa.Você não me procurou e eu não me preocupei em te chamar. O sinal verde ao lado do seu nome sumiu e deixei o computador ligado enquanto tomava um banho. Quando voltei, tinha um SMS não lido. Era seu.Esqueci de dizer que adorei seu último texto. Aquele sobre nós (é, eu sei que é sobre nós). Aliás… Você sabe nos descrever melhor que ninguém. Espero continuar sendo sua inspiração.Segurei o celular como se, assim, pudesse sentir cada palavra. Sorri involuntariamente. E, antes de cair no sono – sem tirar a maquiagem -, lembrei do nosso dia. Das nossas risadas. Dos nossos momentos. Da nossa praça. Dos nossos lugares. Da gente.OBS: Texto inspirado em um casal que vi hoje em uma praça.
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Reencontro
Nós nos reencontramos no lugar de sempre. Você nem reparou no meu piercing no nariz. E eu achei impossível não reparar no seu novo corte de cabelo. Nosso reencontro tinha data marcada desde o nosso adeus e nós a cumprimos pontualmente. Era como se, de alguma forma, não houvesse alguns meses entre nossa despedida e hoje. Só um dia, um fim de semana ou um feriado prolongado.Você sorriu como nunca o vi sorrir. Eu tentei manter todos os meus risos presos em mim, mas não consegui repreendê-los. Era como se todos eles estivessem trancados em um baú durante todo esse tempo. E você era a chave que libertou-os.Sentamos no nosso banco favorito do campus. Ri de algumas piadas bobas suas e você disse outras só para ver meu sorriso. Deixei que as borboletas no estômago voassem livremente. Eu sentia falta delas… De tê-las por perto quando estava com você.Fiquei refletindo, enquanto escutava sua voz, se eu deveria me importar com meu coração. Passei todo esse tempo tentando ignorar seu rosto em minha mente ou parar de pensar nas suas últimas palavras. Tentei não olhar o sol, os fogos de artifício ou as estrelas durante todos esses meses. Era como se elas esfregassem na minha cara todas as suas últimas frases. Lembra delas?Você continuou com suas piadas. Eu, com meus devaneios. E a gente ficou assim durante um bom tempo. Você não fazia ideia do que se passava em minha cabeça. E eu não entendia metade das suas brincadeiras. Queria saber onde e com quem você aprendeu todas elas.As férias de você foram as mais longas da minha vida. A cada novo dia, eu escutava uma banda de rock diferente. Era como se os solos de guitarra e a bateria pudessem ocupar meu cérebro e calar meu coração. Este não cansava de chamar por você e eu não cansava de tentar ignorá-lo.Mas aqui, enquanto seus olhos cor-de-mel brilhavam e uma mecha do seu cabelo quase loiro caía na sua testa, tive certeza de que, por mais que o tempo tenha nos separado, meu coração ainda chamava você do mesmo jeito, com a mesma intensidade. Eu ainda sentia tudo o que escrevi naquela carta. Sentia você da mesma forma que descrevi naquelas palavras.Eu não faço ideia de onde aquela folha está agora; no seu caderno, na sua pasta ou perdida em uma das suas gavetas. Mas sei onde – e como – está meu coração. Bem aqui e inteiro. Completo. -
Fila do banco
Nós nos encontramos na fila do banco aquele dia. Eu usava aquele tênis surrado de sempre. Você, uma camisa que te presenteei. Eu poderia reconhecê-la de longe. Fiquei semanas juntando o troco do lanche da escola só para comprá-la para você. Lembra?Tentei desviar mas você sentiu meu perfume. Não era por menos: foi você mesmo que me deu num aniversário há alguns anos. Eu nunca parei de usá-lo, sabia? Virou meu aroma. E, pelo visto, você não o esqueceu.– Você por aqui, Camy?Sorri sem graça. Não sabia o que dizer e não esperava sentir as borboletas no estômago. Meu coração já não tinha se acostumado ao vazio? Pensei que sim.– É… – hesitei. – Minha mãe pediu para pagar umas contas.Mordi a língua e tentei não falar mais nada. Queria perguntar se você ainda lembrava das manias dela. Ou das minhas. Sacudi a cabeça, tentando me livrar dos pensamentos que agora emergiam.Já estava ali e não poderia escapar. Fiquei atrás de você na fila, apenas esperando que o caixa fosse rápido o bastante para me livrar de tudo aquilo. Eu fugiria dali se a conta não estivesse atrasada há três dias. Minha mãe iria me matar se o preço aumentasse.Mas quase valia a pena pagar alguns reais a mais só para me livrar de você. Eu poderia deixar a covardia me levar. Só que, lá no fundo, eu sabia que ela, literalmente, me custaria caro.A fila diminui e o silêncio aumentou. Seu perfume estava me entorpecendo e tentei não fixar minha mente nisso. Para passar o tempo, comecei a olhar outras filas. Outros rostos. Tentei sentir outros perfumes também e reparar nos garotos que usavam camisa xadrez. Não deu certo.O único que atraía meus olhos não estava vestindo minha estampa favorita. Ao contrário. Usava uma camiseta verde, a cor que eu mais odiava no mundo. Lembro que, quando você abriu o pacote e deu de cara com ela, riu da minha expressão de nojo. Sorri com a lembrança. Você também vestia uma bermuda folgada, do tipo que meu pai nunca aprovaria.Olhei para a frente. Você estava no caixa, separando uns trocados e tirando a carteira do bolso. Tentei espionar para saber se você ainda guardava aquela fitinha da cidade de Aparecida. Lembra o quanto gostava dela?Suspirei. Você terminou suas obrigações e, com um sorriso, acenou para mim. Sorri em resposta e dei um passo para o atendente enquanto meu coração não conseguia se acalmar. -
Hiatus de fim de ano
Hoje foi um daqueles dias típicos de fim de ano. Organizei o quarto. Limpei a bagunça. Tirei o pó que estava embaixo da cama e encontrei aquelas coisas que a gente só encontra quando não precisa. Dei um fim na sujeira do quarto, do computador e da memória do celular. E por último: do coração.São nesses últimos dias do ano que eu me fecho para balanço. Coloco os prós e os contras dos doze meses que se passaram e separo tudo aquilo que vou deixar em 2012 e o que vou aprimorar em 2013. É nesta etapa do ano que esqueço as dores e dou prioridade às alegrias. É, também, nesta época do ano que deixo as lembranças tomarem conta. Não por saudade. Mas para ter certeza de que outros anos virão e elas vão permanecer em algum lugar de mim.A gente tem aquela mania de acreditar na frase “ano novo, vida nova”. Sabe, besteira. Como vi em alguma propaganda na TV, não é o último segundo do ano que deve definir o que vamos ser. Não é às 23h59min do dia 31 de dezembro que vamos escolher que personagem nós iremos dar vida nos próximos 365 dias. Essa escolha tem que ser feita a partir de agora. Neste segundo. Neste minuto.Não é 2013 que vai mudar as perspectivas, nem os sonhos e nem as esperanças. A gente tem que parar de deixar pra amanhã – ou para o ano que vem – as mudanças que não temos coragem de enfrentar agora. Temos é que parar de sentir aquele frio na barriga ao usar nosso batom favorito. Ou aquela roupa que era tendência há um ano. Temos é que desistir do medo e, acima de tudo, deixar lá embaixo do baú tudo o que falam e pensam sobre nós. E aí, trancar com uma chave e jogá-la fora.Agora, para esses últimos dias de 2012, estou trancada. De tudo. Sentimentos, novidades e qualquer coisa que resolvi deixar para trás. Deixei alguns amores, poucos medos e mínimas dores em 2012. E ele pode aprisionar tudo isso. Para os próximos doze meses… Bom, ainda não sei bem o que quero. Mas, seja lá o que for, já preparo desde agora. E o resto, o resto eu decido assim que estiver pronta para sair do hiatus e encontrar o mundo. A realidade. E eu mesma.